O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União, com o objetivo de compelir a ré a implantar órgão de defensoria pública da União no município X, tendo requerido, em antecipação de tutela, que se determinasse à ré, no prazo de quinze dias, a lotação provisória de, pelo menos, um defensor público naquele município, dado o evidente interesse público e social em pauta.
O MPF afirmou, inicialmente, que o objetivo da ação seria assegurar, na área sob jurisdição da subseção judiciária do município X, duas garantias constitucionais essenciais ao estado de direito democrático, quais sejam, o acesso à justiça e a assistência jurídica integral e gratuita.
O autor justificou sua legitimidade ativa para a causa, argumentando que os titulares desses direitos, transindividuais e de natureza indivisível, são pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato (serem carentes e necessitarem de um defensor público da União), o que caracterizaria o interesse como difuso, consoante previsto no Código de Defesa do Consumidor. Sustentou sua legitimidade, ainda, com base nos arts. 127, caput, e 129, incisos II e III, da Constituição Federal (CF), os quais legitimariam sua atuação na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis.
No que respeita ao objeto da ação, o MPF discorreu acerca do direito ao acesso à justiça, o qual, segundo o seu entendimento, constitui cláusula inafastável para o exercício da cidadania, previsto no art. 1.°, inciso II, da CF, acrescentando que de nada valeria a previsão de extenso rol de garantias constitucionais e legais, se não fosse dada ao titular do direito subjetivo violado a prerrogativa de recorrer aos órgãos judiciários.
O MPF prosseguiu, sob o argumento de que, não obstante as garantias constitucionais e legais, em se tratando de assegurar a assistência jurídica integral e gratuita ao cidadão, "o que se vislumbra é a mais veemente omissão da ré". Acrescentou que, apesar da dicção constitucional de ser a defensoria pública instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, a realidade era que a ré ainda não implantara, efetivamente, o órgão de assistência judiciária aos pobres.
Nesse contexto, concluiu, sustentando que, embora a ré tenha criado a Defensoria Pública da União, implantara-a de maneira deficiente, deixando considerável número de cidadãos sem o direito à assistência judiciária, tal como se verifica no município X, o qual, a despeito de contar com Vara Federal, Procuradoria da República, Delegacia da Polícia Federal e representação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), não possui Defensoria Pública da União.
O autor informou que expedira ofício ao defensor público-geral da União, solicitando informações acerca da previsão de nomeação de defensor público para o município X, e que, apesar de ter sido informado de que a questão seria objeto de avaliação, não houvera qualquer solução, razão por que requerera a antecipação da tutela para a lotação provisória de defensor público e a procedência do pedido final, para a implantação da Defensoria Pública da União no município X.
Citada, a ré apresentou contestação, na qual suscitou, preliminarmente, o não cabimento da ação civil pública para questionar ato discricionário da administração pública, nem para invocar inconstitucionalidade por omissão abstrata da União. Alegou, ainda, a ilegitimidade ativa do MPF, ao argumento de a ação não envolver interesses sociais e individuais indisponíveis.
Quanto ao mérito, informou que os cargos de defensor público da União são distribuídos de forma equânime no território nacional, sendo o número de cargos existentes, porém, insuficiente para atender à demanda de serviços constitucionalmente atribuídos à instituição, razão por que novos cargos foram criados, dos quais 70% foram destinados às unidades já existentes e 30% para as novas unidades a serem criadas.
Não obstante todo o esforço desenvolvido, não foi possível lotar um defensor público em cada uma das unidades da justiça federal, motivo pelo qual foram estabelecidos critérios objetivos, tais como número de varas da justiça federal, população dos municípios atendidos pela seção ou subseção judiciária, média do índice de desenvolvimento humano (IDH) dos municípios atendidos pela seção ou subseção da justiça federal, entre outros.
A União afirmou, ainda, que a unidade da Defensoria Pública da União na capital do estado em que se localiza o município X contava com apenas quatro defensores públicos, os quais não atuavam perante a instância judicial questionada pelo Ministério Público por falta de condições humanas e materiais, o que encontraria fundamento no princípio da reserva do possível.
Depois de proceder à análise da população e do IDH dos municípios sob jurisdição das varas federais sediadas na capital do estado, comparativamente com aqueles sob jurisdição da subseção judiciária do município X, a União sustentou que o critério adotado para a distribuição de cargos era condizente com a reserva do possível e com as reais necessidades da população, concluindo que a realocação de um defensor público da União para outra localidade prejudicaria a assistência jurídica do local de origem.
A ré invocou, por derradeiro, a garantia da inamovibilidade dos defensores públicos da União, concluindo que qualquer decisão que determinasse a remoção compulsória de defensor público da União feriria frontalmente a CF.
Pleiteou, ao final, a improcedência do pedido.
Intimado a manifestar-se a respeito da contestação, o MPF requereu o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.
Com base nessa situação hipotética e no direito aplicável à espécie, elabore a sentença, com observância no disposto no art. 458, incisos I a III, do Código de Processo Civil. Dispense o relatório e não crie fatos novos.
I - Das Preliminares
Analiso inicialmente as preliminares arguidas pela ré nos moldes adiante descritos.
I.1 Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido pelo não cabimento da ação civil pública para questionar ato discricionário da administração pública
Merece ser rejeitada a presente preliminar.
Alega a União em sua contestação que não poderia haver, inclusive por meio de ação civil pública, ação judicial que questione ato discricionário da administração pública em razão do Princípio da Separação e Harmonia entre os Poderes.
Ab initio, assiste razão a contestante no sentido de que, em regra, ao Poder Judiciário não é dado interferir no mérito administrativo, e na discricionariedade do mérito administrativo, lições estas já há muito estudadas por Hely Lopes Meireles e pela doutrina administrativista brasileira.
Entretanto, este não é o derradeiro entendimento esposado pela doutrina mais moderna, que, igualmente respaldada pela jurisprudência do STJ e STF, leciona pela possibilidade de controle de atos administrativos discricionários em situações excepcionais, ou mesmo excepcionalíssimas.
E isto se dá exatamente para cumprir preceito constitucional disposto no art. 37, caput, da CF/88 que dispõe como imperativo da administração pública o atendimento e controle dos princípios da legalidade e da moralidade administrativas. Ademais, imperiosa é a possibilidade – excepcional – de intervenção do Poder Judiciário nos atos executivos, para assegurar a aplicação de garantias constitucionalmente reconhecidas.
Há precedentes do STJ e do STF nesse sentido, possibilitando a intervenção judicial no controle da discricionariedade administrativa, em casos excepcionais, sempre para cumprir preceitos constitucionais e legalmente assegurados pela ordem jurídica, a exemplo de recentes decisões do STJ e STF a respeito a construção e reforma de estabelecimentos prisionais superlotados e que não tenham condições de recebimento de novos presos em condições dignas.
Deste modo, é mister rejeitar a preliminar, uma vez que, é juridicamente possível a promoção da ação civil pública como meio de questionamento de omissão do poder público quanto a garantias constitucionais, razão pela qual rejeito a preliminar arguida.
I.2 liminar da impossibilidade jurídica do pedido pelo descabimento da ACP para invocar inconstitucionalidade por omissão abstrata da União.
Ainda preliminarmente, a União alega em sua peça defensiva a preliminar de carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do pedido, especialmente pela alegação de descabimento de ACP para invocar inconstitucionalidade por omissão abstrata da União.
Através da presente demanda o MPF busca o reconhecimento do pedido de reconhecimento e suprimento de omissão da União em prover de Defensor Público esta seção judiciária, embora já exista Vara Federal instalada, bem como MPF, Delegacia de Polícia Federal e agência da Previdência Social. Relata os autos a necessidade da atuação do Defensor Público nos diversos feitos judiciais e atividades extrajudiciais em que tal profissional é necessário, especialmente em detrimento da população hipossuficiente desta Seção Judiciária.
Assim, não se vislumbra pedido de declaração de inconstitucionalidade por omissão em abstrato, mas em concreto, vindica-se a efetividade de garantias constitucionalmente asseguradas (o acesso à justiça, a ampla defesa e o contraditório, e a garantia de defesa dos hipossuficientes) perante esta Seção da Justiça Federal. Não há pedido em abstrato, mas de obrigação de fazer para suprir omissão em concreto.
Por outro lado, a Lei da Ação Civil Pública visa proteger de igual modo interesses difusos e coletivos (art. 1º, V, da Lei 7347/85). Assim, diante da causa de pedir e pedidos da demanda consistirem em pr em
I.3 Da preliminar de carência do direito de ação por ilegitimidade ativa do MPF para a Ação Civil Pública
Alega a ré que o Ministério Público Federal é parte manifestamente ilegítima ativa para a promoção da presente ação civil pública, em razão da “ação não envolver interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Na vigência do CPC de 1973, e para as ações ajuizadas na vigência deste código instrumental revogado, existiam as denominadas "condições da ação", quais sejam, a legitimidade, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, aplicando-se a Teoria da asserção, reconhecida pela doutrina majoritária.
Pela teoria em comento, as condições da ação são analisadas de acordo com as alegações da petição inicial em abstrato.
Verifica-se que o MPF é legitimado para ação civil pública, pois sendo o pedido cominatório formulado nos autos de prover cargo de Defensor Público Federal para a seção judiciária, diante da imperiosa necessidade da atividade do aludido profissional para fazer cumprir garantia constitucional do acesso à justiça e à defesa jurídica e gratuita dos necessitados (art. 5o, CF/88) está pleiteando, para toda a sociedade na realidade interesse qualificado como difuso ou coletivo, preconizado no rol do art. 1o da Lei 7347/85, a Lei da Ação Civil Pública.
Em vista de tais argumentos e diante da previsão expressa de legitimidade do parquet para a ação civil pública, nos moldes do art. 5o, I, da mesma lei da ACP, e por ser a União a legitimada passiva, deve ser rejeitada a presente preliminar.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
0 Comentários
Seja o primeiro a comentar