João comprou na loja Superbom um notebook, fabricado pela empresa XYZ. Após três meses e meio de uso, o notebook deixa repentinamente de funcionar, razão pela qual João perde vários arquivos digitais importantes que nele estavam arquivados.
Fica comprovado que o notebook deixou de funcionar em razão de defeito irrecuperável no disco rígido, mas a loja se recusa a tomar qualquer providência relativa ao aparelho, alegando que já foi ultrapassado o prazo de garantia, que era de três meses.
João, então, propõe ação em face da loja e do fabricante, pedindo:
I. a condenação de ambas as empresas a substituir o produto defeituoso por um novo;
II. a condenação de ambas as empresas por dano moral decorrente da perda dos arquivos digitais que estavam gravados.
A partir da situação fática apresentada, as empresas podem ser condenadas em relação a ambos os pedidos?
(A resposta deve ser objetivamente fundamentada).
* Esta questão faz parte da primeira prova discursiva, que foi anulada pelo TJ/AM. O JusTutor manteve o seu conteúdo por entender que a anulação ocorreu por motivo que não afeta a validade do enunciado em si, sendo o enunciado importante e válido para a preparação do candidato.
A situação em tela amolda-se à hipótese de responsabilidade solidária entre o fabricante e o vendedor do produto, englobando todos os danos e prejuízos originados do vício do produto, inclusive o dano moral, conforme se depreende do art. 18 § 1º, II do Código de Defesa do Consumidor.
Como é sabido, para a aferição da responsabilidade do fornecedor deve ser observada a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia.
Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, intentam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos conexos ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que ocorra deterioração do produto.
O fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser observado como limite temporal para o surgimento do defeito o critério de vida útil do bem.
O início da contagem do prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) se dá após o encerramento da garantia contratual.
No caso em apreço, conforme disposto no artigo 18, §1º do CDC, o consumidor pode escolher entre a substituição do produto por outro da mesma espécie, abatimento proporcional do preço ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Portanto, diante da solidariedade apontada e da escolha realizada pelo consumidor, é possível a condenação de ambas as empresas a substituir o produto defeituoso por um novo.
Referente ao pedido de condenação em dano moral, também é juridicamente possível, pois o artigo 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor dispõe que é direito básico do consumidor a efetiva reparação de danos morais.
Contudo, a condenação por danos morais decorre de violação de direitos da personalidade, devendo ser delineada nos autos, sendo que a perda dos arquivos da forma como narrada não traz certeza quanto à violação do direito, pois é amplamente divulgada a necessidade de os usuários de arquivos digitais fazerem o backup dos dados, ante à falibilidade do meio eletrônico.
Excelente Lari!!! Como dica de elaboração de questões do CDC é sempre interessante fazer referencia de que a questão envolve relação de consumo, nos termos do art.2 e 3 do CDC. Mencionar o art.26, §3 do CDC que expressamente dispõe que o fornecedor responde por vício oculto da propria fabricação, conforme vc mencionou.
Vc poderia ter mencionado que é o STJ que entende que o limite temporal par ao surgimento do defeito deve ser o critério de vida util do bem.
A solidariedade decorre do art.25§1 do CDC.
Quanto ao dano moral, ADOREI sua fundamentação para fastar! SHOW!!! (não é possivel identificar a violação de direito da personalidade)
Vc poderia mencionar que poderia ser viável a reparacao por danos MATERIAIS em razao da perda dos arquivos digitais.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
20 de Julho de 2018 às 20:40 Carolina disse: 1
Excelente resposta, Lari :)
Também vejo, no caso, responsabilidade pelo vício do produto. Até existe aquele entendimento do STJ no sentido de que, quando o incidente causa dano ao consumidor, não se pode falar mais em vício, mas em fato do produto (https://www.dizerodireito.com.br/2015/04/o-conceito-de-fato-do-produto-ou-do.html), mas, nesse caso, a questão é anterior a esse julgado e me parece meio forçado alegar responsabilidade com base no art. 12 do CDC.
Nunca havia parado para pensar nessa questão dos danos morais decorrentes da perda de arquivos digitais. Fiz uma pesquisa na jurisprudência e acho que tem decisões de tudo que é tipo. Como a gente não sabe qual é a posição do examinador, de repente seja melhor deixar em aberto, dizer que há quem entenda x, mas que também há quem entenda y. Esse argumento no sentido de que é possível fazer backup é muito válido e, de fato, sustentaria uma sentença de improcedência (nesse sentido, Recurso Inominado 71003931433 das TRs do TJRS). Mas acho que existem mil coisas a serem consideradas: a natureza dos dados perdidos (imagina alguém perder o TCC? Foi o que aconteceu na Apelação Cível 70017671967, julgada pelo TJRS, que condenou os réus ao pagamento de indenização), o caráter repentino ou não da falha (no Recurso Inominado 71003278942, das TRs do TJRS, foi afastada a condenação porque a falha já vinha ocorrendo e o autor não fez backup). Enfim, eu evitaria dar uma resposta fechada. Diria que é juridicamente possível, mas que existem vários fatores a ser levados em consideração.
Abraço!