Considerando as disposições constitucionais pertinentes ao tema e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relacionada ao processo legislativo de emenda à Constituição, discorra sobre os seguintes aspectos:
a) limites procedimentais e circunstanciais ao poder de reforma;
b) natureza, finalidade e alcance da proteção da cláusula pétrea;
c) a cláusula pétrea da garantia do direito adquirido;
d) cláusulas pétreas implícitas.
O Poder Constituinte Reformador atua por meio do processo legislativo de emenda à Constituição, tendo como fim a reformar a Constituição de modo a mantê-la atualizada às modificações que a sociedade. É um poder de direito, encontrando seu fundamento de validade na própria Constituição, razão pela qual é condicionado e limitado aos seus ditames.
Os limites ao poder constituinte reformador podem ser circunstanciais, temporais, formais (procedimentais) e materiais. Dentre estes limites, a Constituição Federal de 1988 apenas não adotou o limite temporal, já que não existe impossibilidade de reforma ou condicionamento em determinado período de tempo. Contudo, houve limitação temporal para o Poder Constituinte Revisor por meio da revisão constitucional prevista no ADCT, art.3º.
Os limites circunstanciais, formais e materiais estão previstos no art.60 da CF/88.
Os limites circunstanciais buscam evitar que a Constituição seja reformada em períodos de instabilidade e anormalidade de modo a evitar que a livre manifestação do poder fique obstaculizada, estabelecendo no seu §1, art.60 a impossibilidade de emenda constitucional na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
Os limites formais ou procedimentais estabelecem critérios de rigidez superiores aos definidos para legislação ordinária. O art.60 da CF/88 estabelece no caput a iniciativa para propor a emenda é de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República; de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Já o §2º estabelece que a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (quorum qualificado). O §3º prevê que a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o §5º impossibilita que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada seja objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
As limitações materiais são aqueles que impedem a reforma da Constituição de determinado conteúdo de caráter essencial, cuja alteração a desnaturalizaria. São as chamadas cláusulas pétreas previstas no art.60, §4º. O Constituinte não pretendeu inviabilizar a emenda sobre o conteúdo, mas a sua tendência em abolir determinados temas, quais sejam, a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.
A cláusula pétrea da garantia do direito adquirido está garantida por meio do art. 60, §4º, IV já que estabelece a proteção de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, dentre os quais, o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF).
O STF ainda não se posicionou expressamente sobre a existência de direito adquirido como cláusula pétrea, mas é importante destacar que, como qualquer direito fundamental, não é absoluto. O STF já entendeu que não há direito adquirido ao regime jurídico administrativo, não há direito adquirido a não ser tributado, mas haveria para a irredutibilidade de vencimentos.
Há doutrinadores que defendem que o direito adquirido apenas poderia ser oposto ao legislador ordinário e não ao legislador constituinte, eis que violaria o princípio democrático e a própria evolução da sociedade com tal limitação.
As cláusulas pétreas implícitas são aquelas que inviabilizam a atuação do legislador constituinte reformador de forma a aboli-las, ainda que não estejam expressamente previstas na CF/88ª estão relacionadas aos direitos fundamentais, ao titular do poder constituinte, titular do poder reformador e as referentes ao processo da própria emenda constitucional. Com relação a clausula pétrea implícita referente ao próprio processo de emenda constitucional, a doutrina chama de dupla revisão, a qual viabilizaria a alteração do art.60 de modo a retirar uma clausula pétrea expressa e na sequência alterasse o conteúdo que antes era clausula pétrea. Por ser uma verdadeira burla ao sistema constitucional, a dupla revisão não é admitida.
Perfeito, a candidata expõe de forma clara e didática.
Apenas como complemento, quanto a teoria da dupla revisão, em que pese não ser aceita em nosso ordenamento jurídico, é defendida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o qual sustenta que as limitações materiais ao poder de emenda constitucional, previstas no art. 60, § 4º, não podem ser encaradas como uma cláusula eterna, que petrifica o direito constitucional positivo.
Em Portugal, Jorge Miranda afirma que as normas que instituem os limites ao poder de emenda constitucional "são revisíveis do mesmo modo que quaisquer outras normas, passíveis de emenda, aditamento ou eliminação e podem vir a ser suprimidas através de revisão"
Interessante lembrarmos ainda, daquela famosa citação de Ulisses e o canto das sereias - de Eça de Queirós, pois parece clara a inadmissibilidade da tese da dupla revisão e da possibilidade jurídica de se emendar o artigo que disciplina o procedimento de emenda constitucional. Por último, apenas como simples arremate, um argumento de ordem prática.
Qual seria a função da previsão constitucional de limites ao poder de emenda, se estes limites pudessem ser superados pelo mesmo quorum necessário para qualquer emenda? Se uma maioria parlamentar transitória quiser mudar algo vedado pela constituição e tiver o quorum de três quintos favorável à mudança, é como se a barreira nem sequer existisse. Isso significa
dizer que aquelas matérias que o constituinte elegeu como as mais fundamentais para o regime, e que por isso tentou proteger, poderão ser mudadas pelo mesmo quorum exigido para qualquer mudança constitucional. A única diferença é que serão necessárias duas votações, o que nada muda e nada dificulta, pois se a primeira foi feita justamente tendo em vista a segunda, em cinco minutos poder-se-á destruir a base de todo o regime.
Assim, parece que o constituinte derivado está bem atado e seus limites bem definidos e foi isso que procurei demonstrar. E, parafraseando Eça de Queirós, em seu conto sobre Ulisses, ainda que alguns voguem e cantem as maravilhas de um poder de reforma ilimitado, o constituinte derivado continua amarrado ao mastro, rechaçando as sereias "com o mudo dardejar dos olhos mais agudos que dardos"!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
7 de Agosto de 2018 às 23:17 Larissa disse: 0
Mari, vc arrasou! Amei! Resposta super coesa, completa e ainda fez menção à ausência de manifestação do STF sobre o direito adquirido como cláusula pétrea, lembrando, muito bem colocado, que não há direito adquirido ao regime jurídico administrativo, não há direito adquirido a não ser tributado, mas haveria para a irredutibilidade de vencimentos.
Você mencionou todos os tópicos cobrados na questão! Parabéns!!!