Se queremos caracterizar não apenas a interpretação da lei pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas, mas, de modo inteiramente geral, a interpretação jurídica realizada pelos órgãos aplicadores do Direito, devemos dizer: na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. Com este ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuído na norma jurídica aplicada. Através deste ato de vontade se distingue a interpretação levada a cabo pela ciência jurídica. A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autentica. Ela cria o Direito. ( KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. De João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1987, e ed; p.369). Numa analogia a um texto final de uma obra de Wittgenstein, lógico que Kelsen privou em seus tempos de Viena, segundo o qual não se pode falar, deve-se calar, poderíamos dizer que para o nosso jurista, o que a ciência jurídica não pode descrever, deve omitir. Esta coerência de Kelsen com seus princípios metódicos, porem, nos deixa sem armas. Sua renúncia pode ter um sentido heroico, de fidelidade à ciência, mas deixa sem fundamento a maior parte das atividades dogmáticas, as quais dizem respeito à hermenêutica. E ademais não explica a diferença entre a mera opinião do doutrinador, que busca, com os meios da razão jurídica, o sentido da norma. A diferença, em termos de aceitação, resta meramente política. Ou seja, para Kelsen, é possível denunciar, de um ângulo filosófico (zetético), os limites da hermenêutica, mas não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação. (JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2 ed.; p.263).
Considerando os textos citados acima e o tema da interpretação do Direito no pensamento de Hans Kelsen, responda:
a) segundo a perspectiva de Kelsen, o que significam as interpretações "autentica" e "não-autentica" do Direito?;
b) segundo a perspectiva de Kelsen, explique os elementos que se combinam na interpretação realizada pelos órgãos aplicadores do Direito.;
c) em que consiste a crítica de Tércio Sampaio Ferraz Júnior à concepção kelseniana da interpretação do Direito? Explique.
a). Interpretação autêntica seria o resultado da construção interpretativa de uma norma. Ao aplicar-se um sentido ao texto, o órgão aplicador do Direito exerceria uma interpretação autêntica, porque até então o texto legal estaria desprovido de manipulação científica, seria material bruto. Para Kelsen não é possível a interpretação não-autêntica pelo aplicador do Direito, pois haveria sempre um ato de vontade por trás de possíveis escolhas no campo interpretativo, disponibilizadas pelo texto legal.
b). A interpretação para Kelsen é uma operação de conhecimento, isto quer dizer que ao intérprete é dado um ponto de partida - texto de lei - que lhe iluminará as possibilidades de entendimento e construção de sentido. O papel científico do intérprete, portanto, é associar um elemento volitivo - delimitado pelos termos da lei - à abstração legal.
c). A crítica que se faz é sobre os critérios de aplicação da ciência hermenêutica: Kelsen busca resultados criativos - criação do Direito -, a partir de processos rígidos, com princípios metódicos que podem não corresponder com a necessidade ou adequação legislativa. Ademais, o elemento volitivo empregado à lei não possui limites objetivos, o que poderia condená-lo ao papel subjetivo de opinião pessoal.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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