Dissertação:
HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR: EMBRIAGUEZ E VELOCIDADE EXCESSIVA
1. Dolo eventual e culpa consciente; 2. Correlação com os delitos do Código de Trânsito Brasileiro; 3. Dolo eventual e tentativa de homicídio; 4. Dolo eventual e qualificadoras do homicídio; 5. Proporcionalidade da pena.
*** Esta questão faz parte de uma prova do mesmo concurso que não foi sorteada para ser aplicada para os candidatos, nos termos do art. 18 § 1º do Regulamento do Concurso. Porém, dada a pertinência da questão para fins de preparação para os concursos, o JusTutor decidiu mantê-la junto à prova original. As questões deste concurso que não estão marcadas com esta observação foram efetivamente aplicadas aos candidatos.
Os crimes de trânsito são consequência da vida em sociedade de risco - ou seja, a condução de veículos automotores importa em risco não só para outros condutores, como também para pedestres e ciclistas, importando, não raras vezes, em fatalidades que vitimam famílias inteiras, em decorrência da inobservância das regras de trânsito.
Um clássico exemplo de imprudência na condução de veículos automotores é a ingestão de álcool ou substância de efeitos análogos antes ou concomitantemente a direção automotivo. São numerosos os exemplos de vítimas fatais em razão da mistura álcool + direção.
Outro famoso exemplo de imprudência na condução de veículos automotores é a direção em velocidades acima do legalmente permitido para a via, maximizando o risco de acidentes, inclusive fatais.
Nessa toada, o Código de Trânsito Brasileiro procurou reprimir condutas delituosas atentatórias às regras de trânsito, estatuindo, nos arts. 302 e 303, respectivamente, os delitos de homicídio culposo e lesão corporal culposa, em decorrência da inobservância de um dever de cuidado objetivo pelos condutores que atuam de forma imprudente, negligente ou imperita, de forma a causarem o resultado naturalístico previsto pelo tipo penal (lesão corporal ou morte dos ofendidos).
Atento a tal panorama e ao elevado número de óbitos no trânsito, o legislador recrudesceu a pena do homicídio culposo quando praticado sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, prevendo, em seu preceito secundário, pena que varia de cinco a oito anos de reclusão, sem prejuízo da suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão para dirigir veículo automotor (art. 302, § 2º, do CTB, com redação determinada pela Lei nº 13.546/2017). O mesmo fez em relação à lesão corporal culposa de trânsito, conforme disposto no art. 303, § 2º, do CTB, se do crime resultar lesão corporal grave ou gravíssima (a pena é de reclusão de 2 a 5 anos na espécie).
Não obstante, casos há em que o agente causador do resultado naturalístico assum o risco de produzir o resultado, mostrando-se totalmente indiferente ao bem jurídico tutelado (vida) ou alheio as consequências do seu ato, vindo a produzir o resultado descrito no tipo penal.
Neste último caso, o agente deverá responder por homicídio doloso punido a título de dolo eventual (teoria do assentimento ou consentimento), visto que assumiu o risco de produzir o resultado, agindo de forma indiferente a vida alheia.
Normalmente tais casos envolvem a ingestão de álcool ou substância de efeitos análogos mais velocidade excessiva na condução do veículo automotor. No entanto, a análise do elemento subjetivo do tipo penal deve ser causística, de modo a perquirir a intenção do agente através das circunstâncias do caso concreto (ex. condução de caminhão de carga totalmente alcoolizado com o dobro da velocidade superior a máxima permitida são fortes elementos indicadores do dolo eventual).
Neste contexto que se diz que há uma linha fronteiriça entre o dolo eventual (assumir o risco de produzir o resultado = teoria do assentimento/consentimento) e a culpa consciente (previsão do resultado + ausência de consentimento quanto ao resultado).
Com efeito, o agente, na culpa consciente, prevê a ocorrência do resultado naturalístico (morte), mas confia na sua habilidade e persiste na conduta, acreditando que pode evitar a sua ocorrência, não se conformando com a produção do resultado.
Enfim, o elemento anímico ou volitivo que vai dizer se o agente atuou com dolo eventual ou com culpa consciente, demandando uma análise casuística, através da valoração das circunstâncias do caso concreto.
Com relação a incidência de qualificadoras no homicídio de trânsito praticado com dolo eventual, a jurisprudência do STJ firmou entendimento de que há incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do motivo torpe ou fútil (estas de ordem subjetiva), pois não se perquire a motivação do agente para a consecução do resultado naturalístico, eis que o agir é simplesmente impelido pela indiferença ao bem jurídico tutelado de forma genérica (vida). Consigne-se que, no mais das vezes, agente e vítima sequer se conhecem, não se cogitando em motivação fútil ou torpe.
Nesse diapasão e sem prejuízo da análise das circunstâncias do caso concreto, verifica-se inicialmente certa incompatibilidade entre o dolo eventual (ou indireto) e as circunstâncias que qualificam o homicídio simples, delineados no § 2º do art. 121 do Código Penal.
Consigne-se ainda a existência de proporcionalidade entre a pena fixada no preceito secundário do tipo penal (art. 121, "caput", do CP - 6 a 20 anos de reclusão e multa) com o crime de homicídio no trânsito praticado com dolo eventual, pois o agente efetivamente pratica crime contra a vida (submetido ao crivo popular), agindo com indiferença ao bem jurídico mais importante tutelado pelo ordenamento jurídico (a vida é pressuposto do exercício dos demais direitos atribuídos a pessoa).
Por derradeiro, registre-se que nada impede o "conatus" (tentativa) no dolo eventual, porquanto cuida-se de conduta que admite o fracionamento em vários atos (crime plurissubsistente), inexistindo incompatibilidade lógica ou jurídica com a modalidade tentada.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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