Luiz da Silva, acusado pelo crime de estupro contra Maria dos Santos, entra furtivamente na casa de uma amiga da vítima e subtrai de sua escrivaninha uma carta assinada pela própria Maria, admitindo que as acusações contra ele formuladas eram falsas, e que foram motivadas por vingança, já que a vítima era em verdade apaixonada pelo réu e foi por ele desprezada.
De posse da carta, o advogado do réu promove sua juntada no processo, sob a alegação de que a vítima decidira confessar ao acusado que tudo não passava de uma mentira e que estava arrependida, requerendo que o Juiz o absolva, com base em tais evidências de sua inocência. Contudo, consciente de que tal fato não ocorrera dessa forma, o promotor de justiça requer autorização judicial para a interceptação das comunicações telefônicas do acusado e seu advogado, a qual é deferida, vindo aos autos a transcrição de conversa entre Luiz da Silva e seu advogado na qual o acusado revela que a prova fora obtida mediante a entrada furtiva na casa da amiga da vítima, mas que achou melhor apresentar outra versão em juízo de modo a dar aparência lícita para a prova que levará a absolvição do acusado. O promotor de justiça então requer o desentranhamento da carta em virtude da sua ilicitude.
Pergunta-se:
1. Poderá o juiz determinar o desentranhamento da carta obtida por meio da entrada furtiva de Luiz na casa de uma amiga de Maria em virtude do que foi comprovado na interceptação telefônica?
2. Poderá o Juiz proferir sentença absolutória válida com fundamento na carta obtida por meio da entrada furtiva de Luiz na casa de uma amiga de Maria, exclusivamente?
Fundamente as suas respostas demonstrando conhecimento acerca dos institutos jurídicos aplicáveis ao caso e indicando os dispositivos legais pertinentes.
Questão 01
Pelo Princípio da Verdade Real, as decisões judiciais devem ser prolatadas com base em procedimento revestido pelo devido processo legal, garantia constitucional, que promove o contraditório, a ampla defesa e a paridade de armas.
Nesse sentido, admite-se no Processo Penal todos os meios de prova, desde que sejam legais e legítimas, sendo regra a liberdade probatória. Porém, essa liberdade não é absoluta, pois a busca pela verdade real encontra limites expressos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), especificamente no art. 5°, sendo um verdadeiro direito fundamental, dizendo que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. O Código de Processo Penal (CPP) acompanha tal vedação e ainda determina o desentranhamento da prova maculada.
Ao lado dessa garantia também está o sigilo das comunicações, igualmente previsto no art. 5°, CF/88, e determina que apenas em último caso e por ordem judicial é que tal direito pode ser relativizado.
O caso em tela traz a interceptação telefônica como um dos meios de prova previstos em nosso ordenamento jurídicio, que relativiza a garantia do sigilo das comunicações. Porém, por ser instrumento que atinge direito fundamental, deve ser decretada somente se preenchidos alguns requisitos, previstos na lei que a regulamenta, quais sejam: a) indícios razoáveis de autoria; b) a prova não puder ser obtida por outros meios; c) a infração penal for punida com pena de reclsuão.
A situação trazida pelo enunciado da questão narra a entrada furtiva do sujeito na casa de alguém, caracterizando o crime de violação de domicílio. Este delito é punido com pena de detenção e, portanto, observa-se que ele não preenche um dos requisitos para a interceptação. Ademais, é possível afirmar que, nesse caso, outros meio de prova seriam capazes de averiguar a licitude da prova obtida, como prova testemunhal, acareação.
Inobstante a interceptação ter sido decretada sem preencher os requisitos, ela ainda foi feita em cima de conversas de advogado com seu cliente, e é cediço no mundo jurídico que os profissionais da advocacia têm o seu sigilo profissional assegurado em lei. O art. 7° do Estatuto da Advocacia é cristalino nesse sentido, sendo, portanto, inviolável a comunicação entre advogado e cliente.
Ante o exposto, conclui-se que a interceptação telefônica não foi meio legítimo para obtenção da prova colhida nos autos, devendo a mesma ser invalidada e desentranhada do processo. Assim, o juiz frbr manter a carta nos autos e se restar dúvidas sobre sua legitimidade, deve lançar mão de outros meios probatórios.
Questão 02
Sabe-se que o Princípio da Verdade Real se concretiza pelos meios de prova e que estes são limitados constitucionalmente, não se admitindo o uso de provas ilícitas ou destas derivadas.
No caso em tela, verifica-se a ocorrência da invasão domiciliar como meio de prova para garantir o status libertatis do acusado, estando caracterizada sua ilicitude. Assim, seguindo os preceitos constitucionais, a carta deveria ser desentranhada do processo e o juiz desconsiderá-la na formação da sua opinio delicti.
Porém, os princípios que norteiam os meios de prova no Processo Penal orientam que, na análise casuística, deve-se lançar mão da Proporcionalidade ou Razoabilidade; tal princípio funciona como um limitador da inadmissibilidade de toda e qualquer prova ilícita, quando, sopesando o caso concreto, chegar à conclusão de que a exclusão da prova ilícita levaria à absoluta perplexidade e evidente injustiça.
Em outras palavras, se de um lado está o jus puniendi do Estado e a legalidade probatória, e do outro está o status libertatis do réu, que deseja demonstrar sua inocência, este último deve prevalecer, ainda que a prova utilizada seja ilícita.
No caso narrado, o juiz deve considerar a prova apresentada, mesmo que ilícita, pois a mesma é o único modo de o réu comprovar que não concorreu para a infração penal, e nesse sentido, proferir sentença absolutória, conforme dispõe o Código de Processo Penal.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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