Sentença
Justiça Federal
TRF/5 - XIII Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 5ª Região - 2014
Sentença Penal

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Enunciado Nº 000482

1. Fase pré-processual


1.1) No dia 2/1/2012, foi autuada, na Procuradoria da República no município de Sobral/CE, uma notícia anônima acerca da existência de um esquema de desvio de recursos públicos federais no âmbito da administração municipal de Lagoa Azul. Ainda conforme a notícia, as obras públicas estariam sendo conduzidas por João, mestre de obras de confiança do prefeito, que se utilizava de maquinário e pessoal do próprio município.


1.2) O procurador da República para o qual a notícia foi entregue fez algumas pesquisas nos bancos de dados do Tribunal de Contas dos municípios, do SIAFI etc., e constatou que estava em andamento um convênio por meio do qual, em 1/2/2011, a União repassou para Lagoa Azul o valor de R$5.000.000 para a construção de uma escola no município, e que a edilidade já havia desembolsado todo recurso recebido. O membro do parquet fez diligência in loco, onde encontrou a obra pública em estágio inicial de construção.


1.3) Instaurado o inquérito civil público, por meio de portaria, determinou-se o seguinte:


a) a requisição direta ao gerente do Banco do Brasil dos extratos e documentos referentes à movimentação ocorrida na conta aberta pelo município para receber os recursos do convênio (diligência prontamente atendida);


b) a realização, pela CGU, de vistoria na obra em questão que culminou com a juntada de relatório assinado por dois engenheiros no qual se atestava que, em 1/2/2012, somente 10% da obra estava concluída;


c) a notificação de João para prestar depoimento.


1.4) Por ocasião de seu depoimento no Ministério Público, João afirmou que era funcionário contratado pela Secretaria de Obras do município e que cumpria ordens de José, irmão do prefeito e titular daquela pasta. José autorizava o deslocamento dos maquinários e de pessoal da prefeitura para as obras, bem como providenciava os materiais de construção ali empregados. Afirmou, ainda, que participou de uma conversa com José e com o advogado Pedro, momento em este afirmou que já havia terminado a papelada referente à licitação da obra em questão, de modo que restava apenas providenciar as notas fiscais e recibos da construtora que constou como vencedora do certame. Na oportunidade, João entregou um CD que continha a gravação que fez da referida conversa.


1.5) O presidente do inquérito civil público requereu à Justiça Federal o deferimento de mandado de busca e apreensão no escritório de Pedro com o propósito de arrecadar documentos e objetos referentes à fabricação de licitações, o que foi deferido mediante decisão fundamentada.


1.6) De posse do material fruto das diligências referidas, o membro do parquet ajuizou ação de improbidade administrativa e remeteu cópia dos autos do inquérito civil público para a Procuradoria Regional da 5.ª Região, haja vista entender que havia elementos indiciários da prática de crimes pelo então prefeito.


1.7) O procurador regional da República, a quem coube o caso, requereu ao TRF 5.ª Região a instauração de inquérito e, desde logo, a quebra de sigilo fiscal e bancário, além da expedição de mandado de busca e apreensão na casa do prefeito, o que restou deferido motivadamente. Após o cumprimento do mandado de busca, que culminou com a apreensão de 990.000 dólares americanos em espécie, os quais estavam escondidos em parede falsa, e a chegada das informações bancárias e fiscais, o procurador regional deu-se por satisfeito e ofereceu denúncia.



2. Da denúncia


2.1) Francisco, José e Pedro foram denunciados porque, ao agirem em conluio, e por valer-se o primeiro da condição de prefeito,


a) desviaram, em proveito próprio, R$5.000.000 repassados pela União ao município de Lagoa Azul, para que ali fosse construída a escola municipal Maria Arguto (Decreto-lei n.º 201/67, art. 1.º, I);


b) por ocasião da prestação de contas junto ao Ministério da Educação, utilizaram diversos documentos públicos falsificados - notas fiscais, atestados de medição, recibos, além de todas as peças de procedimento licitatório que teriam culminado com a contratação da obra em regime de empreitada global (CP-304);


c) mesmo não se configurando qualquer hipótese de dispensa ou inexigibilidade, contrataram sem licitação a Construtora FQN Ltda para a realização da referida obra (Lei n.º 8.666/93, art. 89).


2.2) A Francisco foi ainda imputada a ocultação, em parede falsa de sua residência, de U$990.000 em espécie. Tais valores mostravam-se absolutamente incompatíveis com sua movimentação bancária e declarações de renda dos últimos dez anos, além de serem provenientes de crime contra administração pública (Lei n.º 9.613/98, art. 1.º).


2.3) Entendeu o acusador que o protagonismo nos crimes acima descritos, por parte de:


a) Francisco, fica demonstrado pelo fato de ele, valendo-se de sua condição de prefeito, ter assinado os seis cheques utilizados para sacar, na boca do caixa, todo o saldo da conta do convênio, o que se deu no dia seguinte ao do repasse dos recursos pelo Ministério da Educação; por ter homologado a licitação fictícia e assinado o termo de contrato com a Construtora FQN Ltda sem existência de fato; por ter apresentado, ao Ministério da Educação, prestação de contas instruída com diversos documentos falsos; e por ter sido apreendida em sua residência uma fortuna em dólares.


b) José, então Secretário de Obras, pode ser extraído de sua assinatura ao atestar o fornecimento do serviço/medição em diversas notas fiscais emitidas pela Construtora FQN Ltda e no termo de aceitação de obra datado de 2/11/2011, bem como do fato de que era ele quem coordenava a obra em questão, ao utilizar máquinas e pessoal vinculados a sua pasta;


c) Pedro, decorre do fato de que ele fabricou toda a documentação usada na prestação de contas, o que restou incontroverso a partir da apreensão, em sua casa, dos arquivos eletrônicos correspondentes às propostas das empresas que figuraram na licitação fictícia, bem como às notas fiscais daquela que saiu como vencedora, além de carimbos das empresas em questão.


2.4) Requereu-se, por fim:


a) a condenação dos três delatados nas penas do art. 1.º, I, do Decreto-lei n.º 201/67, art. 304 do Código Penal, e art. 89 da Lei n.º 8.666/93, e, em relação a Francisco, também nas penas do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98;


b) a perda em favor da União dos dólares apreendidos;


c) a oitiva de testemunhas e a realização de perícia de engenharia.


3. Do processo


3.1) Após o procedimento do artigo 4.º da Lei n.º 8.038/90, por ocasião da primeira sessão de 2013, o TRF 5.ª Região, por unanimidade, declinou de sua competência para a vara de Sobral/CE, porquanto naquela mesma semana Francisco havia deixado o cargo por não ter logrado reeleger-se.


3.2) Na primeira instância, após intimar o MPF e os delatados da chegada dos autos naquele juízo, a denúncia foi recebida mediante decisão fundamentada, momento em que se determinou: a) a realização de perícia de engenharia requerida pela acusação; b) a expedição de uma carta precatória para ouvir duas testemunhas arroladas pela acusação, com prazo de 120 dias; c) a expedição de mais quatro cartas precatórias para ouvir quatro testemunhas arroladas pela defesa, todas com prazo de 120 dias. Designou-se, também, audiência de instrução e julgamento.


3.3) Realizada a audiência de instrução e julgamento e considerando-se a não devolução de uma das cartas precatórias expedidas para a oitiva de uma testemunha arrolada pela defesa, o juiz, não obstante cobranças reiteradas e o transcurso de mais de 30 dias do fim do prazo concedido para seu cumprimento, determinou que a defesa fosse intimada para dizer se insistia com a prática do referido ato e, sendo o caso, indicar as razões que delineassem a relevância e pertinência da prova decorrente.


3.4) Em resposta, a defesa dos acusados se resumiu a dizer que tinha interesse na prática do ato e que não poderia ser compelida a demonstrar a relevância e pertinência da prova em questão, visto que isso poderia prejudicar sua estratégia. Em decisão motivada, o juiz determinou o prosseguimento do feito, sem prejuízo da juntada posterior da carta precatória.


3.5) Intimadas as partes para os fins do art. 402 do Código de Processo Penal, nada foi requerido.


3.6) Em razões finais, o Ministério Público reportou-se aos elementos de prova juntados com a denúncia e às provas produzidas em juízo, que confirmaram que a obra foi executada por funcionários e com maquinário do próprio município, e que, no momento da vistoria realizada pela CGU, menos de 10% da obra estava concluída. O MPF registrou, ademais, que a perícia judicial, embora tenha constatado que a obra em questão restou ao final concluída, asseverou que ali se consumiu em materiais de construção no máximo 20% do valor do convênio. O Ministério Público pontuou, por fim, que a defesa não conseguiu minar a tese da acusação, porquanto as sete testemunhas ouvidas nada sabiam a respeito dos fatos que são objeto da acusação.


3.7) A defesa, de seu lado, arguiu: a) impossibilidade de notícia anônima servir de base para a instauração de investigação; b) ilegalidade da requisição direta pelo Ministério Público de documentos e dados cobertos pelo sigilo bancário; c) ilicitude da prova consistente na gravação clandestina, bem como as outra provas que dela decorreram; d) ilicitude decorrente da busca e apreensão em escritório de advocacia; e) a ilegalidade no recebimento da denúncia pela ausência do procedimento preliminar (CPP - 396-A) no juízo competente; f) violação à ampla defesa e ao contraditório provocada pelo prosseguimento do feito sem a oitiva da última testemunha arrolada pela defesa; g) atipicidade da conduta em relação ao inciso I, art. 1.º, do Decreto n.º lei 201/67, uma vez que o recebimento de valores na boca do caixa, apesar de irregular, não seria suficiente para evidenciar o dolo de desvio/apropriação, elemento subjetivo que acabou por ser totalmente afastado pela prova pericial que atestou a conclusão da obra; e h) necessidade, na remota hipótese de condenação, de aplicação do artigo 16 do Código Penal.



Em face dessa situação hipotética, redija sentença, dando solução ao caso. Na sentença, analise toda a matéria de direito pertinente para o julgamento e fundamente suas explanações. Dispense relatório e ementa, e não crie fatos novos.

Resposta Nº 002030 por João Josué


                II. Fundamento

                II.1. Preliminares e prejudiciais de mérito

                Os réus alegam as seguintes questões preliminares e prejudiciais de mérito:

                a) questões procedimentais pendentes: (i) nulidade do recebimento da denúncia por não cumprir o artigo 396-A, do CPP, no juízo competente; (ii) não oitiva da última testemunha arrolada pela defesa (meio: carta precatória não cumprida).

                Não há nulidade no recebimento da denúncia, o TRF-5ªR cumpriu o artigo 4º, da Lei 8.038/90, e, haja vista a cessação do foro por prerrogativa de função (artigo 29, X, da CF/88), convergindo às súmulas do STF. Deste modo, o procedimento adotado àquela qualidade do réu, quando administrador público não era o do artigo 396-A, do CPP, mas o do artigo 4º, da Lei 8.038/90. Rejeita-se a preliminar.

                Na fase do artigo 402, do CPP, a defesa não reiterou a necessidade da oitiva da testemunha, e a suspensão dos autos para a juntada da precatória, portanto, preclusa. Em decisão motivada, determinou-se o prosseguimento do feito, sem prejuízo da juntada posterior da carta precatória, convergindo o juiz à súmula do STF. Rejeita-se a preliminar.

                b) nulidade pelo meio de obtenção da prova: (i) impossibilidade de notícia anônima servir de base para instauração de investigação; (ii) ilegalidade do Ministério Público obter diretamente documentos e dados cobertos pelo sigilo bancário; (iii) ilicitude da gravação clandestina e as que destas derivarem; (iv) ilicitude decorrente de busca e apreensão em escritório de advocacia.

                A notícia anônima deve ser vista com atenção: o procurador da República realizou investigações preliminares (artigo 5º, § 3º, do CPP): pesquisas nos bancos de dados do Tribunal de Contas dos municípios, do SIAFI etc., constatou andamento do convênio, por meio do qual, em 01.02.2011, a União repassou para Lagoa Azul o valor de R$ 5.000.000,00 para construção de escola. O membro do parquet realizou diligências no local, constatando a obra pública em estágio inicial de construção. Portanto, justificada a instauração de investigação com a realização das diligências para se verificar a justa causa para esta ação penal. Afasta-se a preliminar.

                Não há ilegalidade do Ministério Público na obtenção de documentos cobertos pelo sigilo bancário. A CF/88, no artigo 129, I, VI, VIII, IX, conferiu ao Ministério Público a nobre função institucional de ser titular da ação penal pública, concedendo os poderes instrutórios decorrentes dessa titularidade. Seria inócuo conceder uma função sem garantir-lhe os meios de instrumentalizar o fim (propositura da ação penal).

                Talvez a ação penal seja o instrumento que mais se efetiva os Direitos Humanos, embora uma efetivação tardia, chegando-se tardiamente para punir o violador do direito. Deste modo, encontra-se na teoria dos poderes implícitos a legitimidade do Ministério Público buscar informações para instrumentalizar a ação penal. Neste sentido, não se pode restringir onde o Poder Constituinte Originário não restringiu: não viola a intimidade, pois a verba é pública, o agente é administrador público, a conta é da pessoa política (Município) que recebe de outra pessoa política (União).

                Se a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios, constituindo-se em Estado Democrático de Direito, fundamentado na cidadania, dignidade da pessoa humana, seria ilegítimo restringir o Ministério Público, defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a ciência do que se faz com o dinheiro da República.

                A Lei Complementar 105/01 não veda ao parquet a obtenção de informações sigilosas. Não fala em quebra de sigilo: não se impõe sigilo àquele que tem a função institucional de apurar qualquer ilícito. Portanto, ao parquet, diante de indícios concretos, não lhe é oposto o sigilo quando houver verba pública destinada à realização de obras públicas, pois tais verbas devem cumprir seu destino de realizar políticas públicas, efetivando os fundamentos da República: a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Rejeita-se a preliminar.

                É admissível a captação ambiental realizada por João da conversa que participou com José e Pedro, pois utilizada como meio de defesa sua, admitida pelo STF, e não vedada pela Lei 9.296/96, bem como um indício e meio de obtenção de prova, artigo 2º, IV, da Lei 9.034/95, revogada pela Lei 12.850/13, mas o conteúdo típico migrou para o artigo 3º, II. De outro modo, o artigo 5º, II, da CF/88, não veda uma pessoa gravar a própria conversa, o que deve ser entendido como um verdadeiro direito subjetivo público e direito à liberdade (artigo 5º, caput, da CF/88). Rejeita-se a preliminar.

                Diante da captação ambiental de João e o contexto indiciário instrumentalizado, o presidente do inquérito requereu busca e apreensão determinado e especificado (“com o propósito de arrecadar documentos e objetos referentes à fabricação de documentos” – conforme consta nos autos) no escritório do advogado Pedro, busca essa deferida e devidamente fundamentada.

                O artigo 5º, XIII, da CF/88, diz que o exercício do trabalho deverá ser regulamentado por lei, e o exercício da advocacia foi regulamentado pela Lei 8.906/94, e seu artigo 7º, II, diz que a inviolabilidade de seu escritório será “relativas ao exercício da advocacia”, o que não abrange a prática de ilícitos, tanto que o §§ 6º e 7º do mesmo artigo disciplina a forma que o Poder Judiciário deve agir diante do vilipêndio da nobre atividade dos advogados.

                Quem se utiliza do nobre rótulo de Advogado para a prática de ilícitos não deve ser coberto pelo sigilo daquilo que não é, ao contrário, deve ser considerado um não-advogado, desconsiderando que exerce o munus publico a quem a Constituição Federal de 1988 confere, no artigo 133, o papel mais nobre de todos: a indispensabilidade à administração da justiça, “nos termos da lei”. Repita-se, observaram-se os §§ 6º e 7º citado acima.

                Não se deve confundir o advogado com o seu cliente, não se deve criminalizar o advogado. Não se deve dar sigilo àquele que se utiliza do rótulo de Advogado para cometer crimes com seu cliente, que é exatamente o caso dos autos e oposição à primeira premissa. Rejeita-se a preliminar.

 

                II.2. Mérito

                II.2.1. Artigo 304, do Código Penal e artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67

                A materialidade para os crimes dos artigos 304 c/c artigo 301, § 1º, ambos do CP, está demonstrada com a utilização de diversos documentos públicos que atesta/certifica falsamente (notas fiscais, atestados de medição, recibos, além de todas as peças de procedimento de licitação) na prestação de contas junto ao Ministério da Educação da verba recebida através de convênio para realização de obra pública.

                O uso do documento público falsificado foi um pretexto para sacar, na boca do caixa, seis cheques do valor repassado pelo Ministério da Educação num dia e sacado no outro todo o saldo da conta do convênio.

                A autoria de atestar falsamente e da falsificação foi do réu José e do advogado Pedro, o uso foi do réu Francisco, que apresentou perante o Ministério da Educação, agiram no contexto para justificar a realização da obra pública: fabricaram artificialmente o que deveria ser real.

                Estão presentes a vontade e a consciência livre de usar documento público falsificado para justificar os gastos com a obra pública e encobrir a apropriação/desvio do dinheiro público.

                As condutas dos réus são típicas, estão previstas nos artigo 304, c/c artigo 301, § 1º, ambos do CP. O artigo 304 é um tipo remetido, devendo ser preenchido pelo § 1º artigo 301. Estão presentes as condutas de falsificar e fazer uso, o objeto material (documento público), o dolo (de falsificar e de fazer uso) extraído dos substratos das ações livres dos réus Francisco (apresentou-os perante o Ministério da Educação), José (preparação os documentos falsificados), Pedro (instrumentalizou os documentos falsificados). De posse dos documentos falsificados, Francisco, na qualidade de prefeito, apresentou-os perante o órgão público competente, sacou o dinheiro repassado por esse órgão, apropriando-se/desviando-se os bens em proveito próprio.

                Deste modo, há tipicidade para as condutas de uso de documento falso (apresentação de atestado, notas fiscais etc.) e a apropriação dos valores repassados pelo Ministério da Educação em razão do convênio.

                Assim, o ordenamento jurídico veda o uso de documento falso e a apropriação de valores, como estão nos artigo 304, do CP, artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67.

                Alegam os réus ausências de materialidade, elemento subjetivo e atipicidade: houve a conclusão da obra atestada pela perícia e o recebimento na boca do caixa seria irregular, mas não suficiente para evidenciar o dolo de desvio/apropriação contido no inciso I do artigo 1º, do Dec.-Lei 201/67.

                Há materialidade: os réus usaram documentos que falsificaram para obter vantagem através da apropriação/desvio de verba destinada à realização de obra pública.

                Presente também o elemento subjetivo, pois necessitavam de justificar o a apropriação do dinheiro mediante o saque, o que foi realizado pelo prefeito, coadjuvado por advogado e Secretário de Obras do município. O prefeito sacou os R$ 5.000.00, em seis cheques, no dia posterior ao repasse. A obra sequer havia concluído 10%, conforme diligência da CGU, e que na obra foi consumido material que não ultrapassariam 20% do valor do convênio. Ou seja, no mínimo 80% foram apropriados/desviados pelos réus, em coautoria, tendo o STF e STJ admitido esse concurso eventual.

                A conduta é típica, ao tempo da propositura desta ação penal, já havia sido consumada a infração de uso de documentação falsa e a apropriação/desvio. A perícia e a conclusão da obra durante a ação não afasta a conduta ex ante dos réus: usaram documento falsificado; apropriaram/desviaram o dinheiro do convênio. O tempo do crime é no momento da ação, no momento do uso, no momento da apropriação/desvio; a conclusão da obra posteriormente não tem força retroativa.

                Assim, condeno os réus Francisco, José e Pedro, em coautoria, nos crimes dos artigos 304, do CP, e artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67.

 

                II.2.2. Artigo 89, da Lei 8.666/93, e emendatio libelli

                A materialidade do artigo 89, da Lei 8.666/93, não está provada. É necessário utilizar o artigo 383, do CPP, a emendatio libelli, pois não se trata de dispensa ou inexigibilidade de licitação, mas de fraudar a competição, incidindo o artigo 90, da Lei 8.666/93.

                A materialidade de que houve artificialismo e ausência de concorrência pública para licitar está provada fruto da busca e apreensão na casa de Pedro dos arquivos eletrônicos correspondentes às propostas das empresas que figuraram na licitação fictícia, bem como às notas fiscais daquela que saiu como vencedora, além de carimbos das empresas em questão. E, tal como produzido nos autos e alegado em razões finais pelo parquet, a obra foi executada por funcionários e com maquinário do próprio município.

                Portanto, a materialidade para a fraude da concorrência através da licitação fictícia, demonstrada pelos carimbos das empresas em questão.

                A autoria de Pedro é revelada quando apreendido arquivos eletrônicos correspondentes às propostas fictícias, carimbos das empresas que supostamente teriam participado da licitação e as da que teria vencido a licitação. A autoria de Francisco está na homologação da licitação fictícia e assinado o termo de contrato com a Construtora FQN Ltda sem existência de fato. A autoria de José está no contexto das outras duas ações anteriores, pois era o responsável pela obtenção da vantagem ao assinar atestando o fornecimento do serviço/medição em diversas notas fiscais emitidas pela Construtora FQN Ltda e o termo de aceitação da obra datado de 02.11.2011.

                Há tipicidade para este delito de fraudar a licitação: Pedro criou uma licitação fictícia com a participação de várias empresas, na qual apenas uma empresa sagrou-se vencedora (Construtora FQN Ltda – sequer tinha existência de fato), cujo certame foi homologado por Francisco e assinado contrato por ela, esta não tendo realizado nenhum ato material (maquinário e pessoal do próprio município), José atestava a prática de atos materiais fictícios e com suas assinaturas em recibos, notas fiscais e atestado de mediação falsificados, obtinha vantagem para os réus.

                Deste modo, as condutas descritas são vedadas pelo ordenamento jurídico. Há necessidade de ser sancionadas essas condutas. Condeno os réus Francisco, José e Pedro no crime do artigo 90, da Lei 8.666/90.

 

                II.2.3. Artigo 1º, I, da Lei 9.613/98

                Não está presente a materialidade da lavagem de capitais. O parquet não descreveu minimamente as fases da lavagem, não conseguiu vincular o fato do réu Francisco ao desvio/apropriação da verba repassada pelo Ministério da Educação em razão do convênio.

                Não é usual alguém guardar US$ 900.000,00 em parede. Claro que há reflexo desse fato, mas não nesta ação. Em razões finais o Ministério Público sequer pediu a condenação de Francisco no crime de lavagem, dando como certo o erro na imputação.

                Portanto, absolvo o réu Francisco do crime do artigo 1º, I, da Lei 9.613/98.

 

                III. Dispositivo

                a) rejeito todas as preliminares apresentas pelos réus Francisco, José e Pedro;

                b) absolvo os réus Francisco, José e Pedro do crime do artigo 89, da Lei 8.666/98, em razão do artigo 383, do CPP, e condeno-os no crime do artigo 90, da Lei 8.666/98;

                c) absolvo o réu Francisco do crime do artigo 1º, I, da Lei 9.613/98;

                d) condeno os réus Francisco, José e Pedro, nos crimes dos artigos 304, do CP, artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67.

                Passo a dosimetria da pena nos termos do artigo 68, do CP.

                IV. Dosimetria da pena

                IV.1. Réu Francisco

                A culpabilidade do réu Francisco é exacerbada, utilizou de seu cargo e conhecimento para apropriar de dinheiro público destinado à construção de obra pública, fraudando licitação, usando documento falsificado, carga negativa; antecedentes e conduta social não há nada que possa ser dignas de nota, sem carga; não há motivos e o comportamento da vítima é irrelevante; as circunstâncias judiciais e consequências dos crimes revelam a sofisticada engrenagem conspiratória que se valeram os réus para violar interesses legítimos da Administração Pública, implicando na insegurança para as próximas licitações, para a descrença dos cidadãos na Administração Pública e no vilipêndio do dinheiro público destinado à efetivação do direito social à educação, agiu dentro se sua própria instituição violando a confiança das pessoas nas instituições, cargas negativas. Deste modo, fixo as penas-bases em: 3 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP; 5 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 2 anos e 8 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98.

                Para a segunda fase, como há duas causas especiais de aumento de pena (artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/93 e artigo 297, § 1º, do CP), aplica-se a que menos aumenta como agravante e a que mais aumenta na terceira fase. Assim, incide o aumento de 1/6 do § 1º do artigo 297 do CP: 3 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP;  6 anos e 2 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 2 anos e 11 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98;

                Para a terceira fase, incide o aumento de 1/3 do artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/98, elevando-se a pena para: 5 anos e 1 mês de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP; 8 anos e 5 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 3 anos e 10 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98.

                Aplica-se o concurso material, alcança-se a pena de 12 anos e 6 meses de reclusão e 3 anos e 10 meses de detenção.

                O sistema bifásico para a multa, os critérios dos artigos 49 e 60, do CP, e atendendo às circunstâncias judiciais e legais, e a condição econômica revelada de que o réu Francisco guardava em parede de sua casa o valor de US$ 900.000,00, fixo o valor da multa, pelo crime dos artigo 304, remetido ao artigo 297, ambos do CP, e ao artigo 90, da Lei 8.666/93, em 330 dias-multa e a razão de 1 salário mínimo por dia-multa aplicado.

                Condeno o réu Francisco nas penas definitivas de 12 anos e 6 meses de reclusão, 3 anos e 10 meses de detenção e 330 dias-multa.

                Aplico a inabilitação do réu, conforme o § 2º do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201/67.

                Fixo o regime inicialmente fechado, nos temos do artigo 33, § 2º, a, do CPP. Incabíveis a substituição (artigo 44, do CPP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77).

                O réu poderá recorrer em liberdade, desde que colabore com o Poder Judiciário, entregando seu passaporte no prazo legal, atitude que demonstra a intenção de dar cumprimento em eventual condenação transitada em julgado.

 

                IV.2. Réu José

                A culpabilidade do réu Jose é exacerbada, utilizou de seu cargo de Secretário de obras do município e conhecimento para coadjuvar o prefeito a apropriar de dinheiro público destinado à construção de obra pública, fraudando licitação, usando documento falsificado, carga negativa; antecedentes e conduta social não há menção dignas de nota, sem cargas; não há motivos e o comportamento da vítima é irrelevante, sem cargas; as circunstâncias judiciais e consequências dos crimes revelam a sofisticada engrenagem conspiratória que se valeram os réus para violar interesses legítimos da Administração Pública, implicando na insegurança para as próximas licitações, para a descrença dos cidadãos na Administração Pública e no vilipêndio do dinheiro público destinado à efetivação do direito social à educação, considerando o fato de ser um agente político, agiu dentro se sua própria instituição violando a confiança das pessoas nas instituições, cargas negativas. Deste modo, fixo as penas-bases em: 3 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP; 5 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 2 anos e 8 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98.

                Para a segunda fase, como há duas causas especiais de aumento de pena (artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/93, e artigo 297, § 1º, do CP), aplica-se a que menos aumenta como agravante e a que mais aumenta na terceira fase como majorante. Assim, incide o aumento de 1/6 do § 1º do artigo 297 do CP: 3 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP;  6 anos e 2 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 2 anos e 11 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98;

                Para a terceira fase, incide o aumento de 1/3 do artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/98, elevando-se a pena para: 5 anos e 1 mês de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP; 8 anos e 5 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 3 anos e 10 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98.

                Aplica-se o concurso material, alcança-se a pena de 12 anos e 6 meses de reclusão e 3 anos e 10 meses de detenção.

                O sistema bifásico para a multa, atendendo aos critérios dos artigos 49 e 60, do CP, e às circunstâncias judiciais e legais, sem condição econômica revelada nos autos, fixo o valor da multa, pelo crime dos artigo 304, remetido ao artigo 297, ambos do CP, e ao artigo 90, da Lei 8.666/93, em 330 dias-multa e a razão de 1/3 do salário mínimo por dia-multa aplicado.

                Condeno o réu José nas penas definitivas de 12 anos e 6 meses de reclusão, 3 anos e 10 meses de detenção e 330 dias-multa.

                Fixo o regime inicialmente fechado, nos temos do artigo 33, § 2º, a, do CPP. Incabíveis a substituição (artigo 44, do CPP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77).

                O réu poderá recorrer em liberdade, desde que colabore com o Poder Judiciário, entregando seu passaporte no prazo legal, atitude que demonstra a intenção de dar cumprimento em eventual condenação transitada em julgado.

 

                IV.3. Réu Pedro

                A culpabilidade do réu Pedro é exacerbada, utilizou de sua profissão de advogado para exercer atividade estranha a esse munus publico, tinha conhecimento de que praticava ato proibido e vedado pelo ordenamento jurídico, coadjuvou o Secretário de obras e o prefeito a apropriar de dinheiro público destinado à construção de obra pública, fraudando licitação, usando documento falsificado, carga negativa; antecedentes e conduta social não há menção dignas de nota, sem cargas; não há motivos e o comportamento da vítima é irrelevante, sem cargas; as circunstâncias judiciais e consequências dos crimes revelam a sofisticada engrenagem conspiratória que se valeram os réus para violar interesses legítimos da Administração Pública, implicando na insegurança para as próximas licitações, para a descrença dos cidadãos na Administração Pública e no vilipêndio do dinheiro público destinado à efetivação do direito social à educação, considerando o fato de que auxiliou a lesar e a provocar insegurança pública, cargas negativas. Deste modo, fixo as penas-bases em: 3 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 297, do CP, remetido pelo artigo 304, do CP; 5 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 1º, I, do Decreto-Lei 201/67; 2 anos e 8 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/98.

                Para as segunda e terceira fase, sem circunstâncias legais.

                Aplica-se o concurso material, alcança-se a pena 8 anos e 8 meses de reclusão e 2 anos e 8 meses de detenção.

                O sistema bifásico para a multa, atendendo aos critérios dos artigos 49 e 60, do CP, e às circunstâncias judiciais e legais, sem condição econômica revelada nos autos, fixo o valor da multa, pelo crime dos artigo 304, remetido ao artigo 297, ambos do CP, e ao artigo 90, da Lei 8.666/93, em 330 dias-multa e a razão de 1/3 do salário mínimo por dia-multa aplicado.

                Condeno o réu Pedro nas penas definitivas de 8 anos e 8 meses de reclusão, 2 anos e 8 meses de detenção e 330 dias-multa.

                Fixo o regime inicialmente fechado, nos temos do artigo 33, § 2º, a, do CPP. Incabíveis a substituição (artigo 44, do CPP) e a suspensão condicional da pena (artigo 77).

                O réu poderá recorrer em liberdade, desde que colabore com o Poder Judiciário, entregando seu passaporte no prazo legal, atitude que demonstra a intenção de dar cumprimento em eventual condenação transitada em julgado.

 

                V. Disposições finais

                As últimas instruções desta sentença:

                a) deixo de aplicar o artigo 91, I, do CP, e o artigo 387, IV, do CPP, por não haver pedido expresso. No entanto, nada impede que os prejudicados busquem por meio próprio, a indenização no cível;

                b) confisco o dinheiro apreendido na residência do réu, remetendo as partes ao juízo competente para comprovação da licitude;

                c) oficiar a Ordem dos Advogados do Brasil para que se proceda às restrições da atividade advocatícia do réu Pedro;

                d) oficiar ao órgão da Administração Pública, para proceder conforme ao artigo 92, I, a e b, do CP, relativamente aos réus Francisco e José;

                e) pagamento de custas processuais e despesas processuais, nos termos do artigo 804, do CPP;

                f) comunique-se a Justiça Eleitoral da inabilitação do réu, nos termos do § 2º do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201/67, com o trânsito em julgado ou conforme a LC 64/90.

                g) com o trânsito em julgado, lançar o nome dos réus no rol dos culpados, comunicando aos órgãos de segurança, informando as restrições, v. g., eleitoral, nos termos do artigo 72, do Código Eleitoral, para o cumprimento do artigo 15, III, da CF/88, registro de antecedentes criminais aos órgãos dos dados criminais, bem como para fins de estatística, conforme o artigo 809, do Código de Processo Penal.

                Publique-se na íntegra. Registre-se. Intimem-se.

                Local e data.

                Juiz Federal Substituto.

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