Levando
em conta a hipótese abaixo, prolate sentença, observando os requisitos
essenciais previstos em lei (art. 458 do Código de Processo Civil), examinando
e decidindo todas as questões postas pelas partes, preliminares e de mérito.
Não ponha data nem assinatura.
Pedro e Lúcia Barreto, marido e
mulher, bancários; e Zacarias Azevedo, servidor público federal, firmaram
contrato conjunto (instrumento único) de compra e venda, mútuo e outras avenças
com a Caixa Econômica Federal - CEF, em 15/05/96, para a aquisição da casa
própria pelo sistema financeiro da habitação, com vinculação ao Plano de
Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES/CP, sem cobertura do
Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, com prazo de quinze anos
(180 prestações) e garantia hipotecária, incidente sobre os imóveis
financiados.
Os dois primeiros adquiriram um
apartamento de quatro peças e Zacarias uma casa, situados os dois imóveis em
Taguatinga/DF. Em 15/03/99, Zacarias cedeu o seu contrato a Osvaldo Porto,
economiário, fazendo-o por instrumento público, na operação conhecida no
comércio jurídico como "contrato de gaveta", tendo o cessionário sequenciado
o pagamento das prestações com utilização dos carnês emitidos em nome do
mutuário cedente, sem regularizar a transferência perante o agente financeiro
mutuante.
Em dezembro de 1999, Pedro, Lúcia e Osvaldo ingressaram com ação de rito ordinário contra o agente financeiro, em litisconsórcio, afirmando os dois primeiros: que ambos participaram da composição inicial de renda [ele com 80% e ela com 20%] que originou a relação prestação/renda e gerou o valor do primeiro encargo [prestação]; que, todavia, a mutuária foi despedida do emprego em março de 1999, fato que, repercutindo substancialmente na relação prestação/renda, deve importar a alteração do contrato [redução subjetiva], com a exclusão da sua parcela (20%) na composição da renda e recálculo da equação financeira, pois somente assim poderá ser cumprido; que, mesmo assim, com muito esforço e sacrificando necessidades familiares, vinham honrando os seus compromissos contratuais; e que, a partir de julho de 1999, isso não mais se fez possível, considerando que a suplicada passou a descumprir o ajuste, ao cobrar o encargo mensal (prestação de amortização + seguro + juros} reajustado em 25%, mesmo não tendo havido alteração na sua {deles) evolução salarial.
Alegaram, ainda, que o saldo
devedor vem sendo indevidamente reajustado pela Taxa Referencial-TR, já
declarada inconstitucional pelo STF; e que, a cada mês, o abatimento (amortização)
do valor da prestação paga somente é feito depois da correção do saldo devedor,
quando o correto seria o inverso - abatimento do valor pago e, depois, a
correção do saldo -, para evitar o acréscimo indevido e injusto na dívida.
Por fim, afirmaram que a
hipoteca que grava o apartamento está a lhes causar prejuízos, pois, com a
não-alodialidade do imóvel, ficam impedidos ou em dificuldade para vendê-lo ou
para oferecê-lo em garantia de outro financiamento, devendo a garantia real,
por via de conseqüência, ser substituída por garantia pessoal, expressa em duas
Apólices da Dívida Pública, de números 056767 e 056768, de sua propriedade,
emitidas pela República dos Estados Unidos do Brazil em 1911, na valor atual de
R$250.000,00, conforme laudo de avaliação emitido pela Fundação Getúlio Vargas
- FGV.
Pediram, em nível principal, e
em face da perda do emprego, que seja compelido o agente financeiro a alterar
subjetivamente o contrato, a partir de março de 1999, permanecendo como devedor
apenas o mutuário varão, seguindo-se o refazimento da equação financeira da
avença na base de 80% da composição inicial de renda e o reajuste da prestação
apenas pelo seu salário [maior renda]; e que seja condenado, por outro lado, a
dar baixa na hipoteca que grava o bem, recebendo como garantia do financiamento
as referidas apólices da dívida pública, tudo acrescido de honorários
advocatícios de 20% do valor da condenação e do reembolso das custas.
Em ordem sucessiva, pediram: que seja a demandada condenada a recalcular as prestações do financiamento, a
partir de julho de 1999, para excluir o reajuste indevido de 25%, com a
devolução, em dinheiro, dos valores cobrados irregularmente, atualizados
monetariamente e acrescido de juros moratórios e compensatórios; que o saldo
devedor seja também reajustado pela equivalência salarial, posto não ser
possível, sob nenhum critério lógico, a adoção de mecanismos diversos para os
reajustes da prestação e do saldo devedor; que o desconto da parcela de
amortização, a cada mês, seja feito antes do reajuste do saldo devedor, desde o
início do contrato, igualmente com a restituição dos valores cobrados em
demasia, atualizados monetariamente e com juros (moratórias e compensatórios};
e, por fim, que também seja substituída a garantia do financiamento, nos moldes
aludidos, com os mesmos ônus sucumbenciais requeridos no pedido principal.
Osvaldo Porto, por sua vez,
alegou, na condição de cessionário do contrato, que tem direito a regularizá-lo
no seu nome, pura e simplesmente, por cuidar-se de contrato perfeito e acabado
(ato jurídico perfeito), independentemente de alteração nas condições do
financiamento, como costuma exigir a CEF, invocando a Lei nº 8.004, de
14/03/90; e que, assim, pretende também amortizar extraordinariamente trinta e
seis prestações (R$10.800,00), no valor da última já quitada (R$300,00),
segundo previsto em cláusula específica do contrato cedido.
Pediu que seja a ré condenada a
regularizar o financiamento em seu nome, a partir de 15/03/99, sem nenhuma
alteração no saldo devedor contábil e nas condições de amortização, com a
emissão de novos carnês, bem como a receber os valores da amortização
extraordinária, sem nenhuma atualização pro rata die, com redução proporcional
do tempo contratual (três anos) e a devida imposição da verba de honorários na
base de 20% sobre o valor da condenação, além do reembolso das despesas do
processo. As prestações (dos três suplicantes) continuaram a ser pagas
normalmente, nas bases exigidas pela credora.
Juntaram documentos alusivos
aos contratos e aos demais fatos alegados: perda do emprego, prova da evolução
salarial de cada qual, carnês de pagamento, planilha contendo a projeção das
prestações exigidas e das julgadas devidas, no período considerado, cópias das
apólices e dos laudos de avaliação, além de outros documentos.
Antes da citação, e invocando o
inciso XXI do art. 5° da Constituição Federal, ingressou nos autos a Associação
dos Mutuários Explorados, entidade sediada no Distrito Federal, pedindo a sua
admissão como litisconsorte do casal de mutuários no pedido de redução
subjetiva do contrato, à conta do fato de representar cinqüenta casais de
mutuários na mesma situação jurídico-contratual [perda do emprego por conta de
um deles, que participara da composição inicial de renda], relacionados em
anexo à sua petição. Juntou cópia dos seus estatutos e a documentação de todos
os mutuários que pretende representar. O pedido foi deferido.
A contestação alegou,
preliminarmente, impossibilidade do litisconsórcio (do casal e do cessionário),
por falta de base legal, pois o contrato conjunto que celebraram não passa de
uma união meramente externa, contendo dois ajustes distintos; e ilegitimidade
ativa ad causam da Associação dos Mutuários Explorados, por falta de
autorização expressa dos filiados que pretende representar, nos termos
constitucionais invocados.
No mérito, alegou, quanto aos dois primeiros: que, celebrado o mútuo dentro das peculiaridades do caso [valor do financiamento, prazo de resgate, condições de reajuste, equação financeira, idoneidade cadastral dos mutuários etc], não se faz possível a sua alteração subjetiva à revelia do credor sem o seu completo desvirtuamento, como contrato típico e nominado, tanto mais que não prevista em nenhuma das suas cláusulas; que a pretendida alteração subjetiva, com a redução da composição de renda inicial em 20%, implicaria, em verdade, se admitida por absurdo, a celebração de novo contrato, com financiamento menor, tendo por objeto, naturalmente, um imóvel de padrão inferior; que o contrato, perfeito e acabado, deve ser observado nos seus exatos termos [pacta sunt servanda], não havendo possibilidade de intervenção judicial na sua economia interna; que não procede a alegação de aumento incorreto da prestação, pois o reajuste praticado, da ordem de 20%, e não de 25%, como alegado, levou em conta aumento salarial obtido pelos suplicantes, conforme detectado no monitoramento da categoria profissional dos bancários, sendo repassado à prestação dois meses depois; que o saldo devedor deve ser corrigido pela TR - que não foi declarada inconstitucional pelo STF -, tendo em vista que os agentes financeiros do SFH emprestam recursos do FGTS e da poupança, que são corrigidos pelo mesmo índice; que somente a correção do saldo devedor, com o subseqüente abatimento do valor da prestação, a cada mês, é que dão a possibilidade de liquidação do financiamento, sem resíduo, no seu termo final. ressalvado o eventual saldo em função da incidência do PES/CP; que, cuidando-se de contrato sem cobertura do FCVS, não é devido, sequer em tese, o pedido de devolução de valores eventualmente pagos a mais, menos ainda com juros compensatórios; e que não há sentido em abdicar de uma garantia real do financiamento (a hipoteca do próprio imóvel), devidamente contratada, em troca de uma garantia pessoal, menos ainda tendo por objeto apólices da dívida pública, cuja validade é contestada no mercado, inclusive pela pretensa devedora [a União], que não está na relação processual, e tem alegado estarem tais títulos irremediavelmente prescritos.
Em relação a Osvaldo Porto,
disse~ com ele não celebrou nenhum contrato, cuidando-se de um estranho ao ajuste
discutido; que a venda do imóvel hipotecado, pelo mutuário, importa o
vencimento antecipado da dívida, conforme previsão da cláusula 25ª do contrato,
não podendo a cessão ser oposta ao agente financeiro que com ela não anuiu; e que a celebração do contrato com o mutuário Zacarias Azevedo levou conta, como
é natural, as suas condições econômico-financeiras, não podendo, sem violência
à ordem jurídica, ser obrigada a aceitar um mutuário estranho aos seus
controles operacionais.
Pediu a completa rejeição do
pedido, inclusive o de amortização extraordinária, destacando que a previsão
contratual nesse sentido em nenhuma hipótese beneficia a terceiros; e que, em
respeito técnico à equação financeira do ajuste, jamais pode ser praticada (nos
casos em que admitida) sem atualização proporcional (pro rata die) do valor da
prestação que se pretende amortizar.
Em réplica [pelos mutuários e
cessionário] foi dito que o litisconsórcio facultativo tem fundamento no Código
de Processo Civil, tendo a Associação dos Mutuários Explorados afirmado, por
seu turno, que os seus estatutos contêm autorização permanente para que possa
representar quaisquer filiados judicial ou extrajudicialmente, restando
satisfeito o referido preceito constitucional (autorização expressa), conforme
entendimento prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal.
O exame das preliminares foi diferido para o pórtico da sentença. Não houve prova oral. A prova pericial, realizada sem a indicação de assistentes técnicos, demonstrou que ocorreu o reajuste objurgado da prestação, salvo nos meses de agosto e setembro/99, quando o reajuste foi de apenas 20%; que, à luz da matemática financeira, tecnicamente o abatimento (amortização) do valor pago pelo mutuário a cada mês deve ser feito após o reajuste do saldo devedor; que, nas amortizações extraordinárias, é indispensável a atualização pro rata die do valor da prestação, levando em conta os meses que faltam para o novo reajuste, sob pena de enriquecimento ilícito do mutuário; e que os suplicantes (o casal), ao contrário do alegado, tiveram aumento salarial de 20% em maio/99, data-base de sua categoria profissional. (O perito ancorou a afirmativa em avisos de pagamento emitidos pelo empregador.)
Contestando o laudo, os
mutuários afirmaram que não tiveram o reajuste de 20%, não tendo o perito
examinado corretamente os documentos; e que o monitoramento de uma categoria
profissional à distância não constitui meio seguro para aferição da evolução
salarial dos seus integrantes.
Em alegações finais, as partes reafirmaram as teses sufragadas nos autos, tendo Pedro e Lúcia requerido, ainda, a condenação da CEF nas penalidades da litigância de má-fé, por ter negado a aplicação do reajuste de 25% na prestação, confirmado pela perícia, o mesmo fazendo o agente financeiro, no que toca ao casal de mutuários, por ter sonegado ao juízo a informação pertinente à obtenção do aumento salarial de 20%. Os autos foram conclusos para sentença.
(Legislação) | Código de Defesa do Consumidor |
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA