Sentença

Sentença 04119

Justiça Federal
TRF/3 - X Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 3ª Região - 2000
Sentença Cível

INÍCIO
PÁGINA de
FIM

Enunciado Nº 004119

A empresa Biarron Marques S.A., com sede na capital de Mato Grosso do Sul e filiais na cidade de São Paulo, bem como o seu diretor presidente, Leandro Biarron, domiciliado em Campo Grande - MS, impetraram mandado de segurança, perante a Segunda Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande/MS, acoimando de inconstitucional, ilegal e abusivo o ato do Delegado da Receita Federal em Campo Grande/MS, que, nos procedimentos fiscais nº 309-01 e 310-01, determinou, com substrato na autorização contida na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, a intimação dos impetrantes para que apresentassem os documentos relativos às movimentações bancárias realizadas tanto pela empresa, como pelo seu diretor, individualmente, nos anos de 1999 e 2000, e para que demonstrassem a origem dos valores movimentados.

Assim, aduzem os impetrantes que a legislação invocada pela autoridade impetrada para instaurar os procedimentos fiscais e embasar as intimações está eivada de inconstitucionalidade, tendo em vista que o acesso aos dados relativos a operações bancárias está protegido por sigilo, que somente pode ser quebrado por meio de decisão judicial, o que não ocorreu na espécie, porque, na realidade, a Receita Federal ter-se-ia valido de informações enviadas pelas instituições financeiras para fins de recolhimento da CPMF, a importar em ofensa aos direitos constitucionais da privacidade e da intimidade, garantidos pelos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal.

Destacam, também, que o direito ao sigilo bancário representa uma garantia fundamental, de caráter absoluto, dado proteger a esfera de intimidade do cidadão, somente podendo ser quebrado para fins de investigação criminal e mediante decisão judicial, jamais por ordem de autoridade fiscal, ainda mais para fins de lançamento tributário, conforme asseguram a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XII, e o art. 38 da Lei nº 4.595/64, razão pela qual a prova colhida com infração a tais primados caracteriza-se como ilícita e não pode ser utilizada para quaisquer fins, em face do que dispõe o artigo 5°, LVI, da Carta Magna e a teoria dos frutos da árvore proibida.

Sustentam, ainda, que estão sendo aplicados dispositivos legais de forma retroativa, a violar o princípio da irretroatividade da lei, tendo em vista que as leis apontadas somente passaram a vigorar em 2001 e, no entanto, está a autoridade impetrada se utilizando de dados relativos a 1999 e 2000, quando estava ainda em vigor o artigo 11, parágrafo 3°, da Lei nº 9.311/96, sem a alteração procedida pela Lei nº 10.174/01, sendo que esse dispositivo resguardava o sigilo das informações prestadas pelas instituições financeiras para fins de CPMF e vedava sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.

Desta forma, entendem que, como as operações bancárias foram realizadas no período anterior à vigência da legislação invocada, o ato da autoridade impetrada está a afrontar o artigo 5°, inciso XXXVI, e artigo 150, III, da Constituição Federal, a reclamar, também por esse fundamento, correção pela via mandamental. Pleiteiam seja declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos legais citados e decretada a ilegalidade dos atos praticados pela autoridade impetrada, pelo que requerem a concessão de Iiminar, para impedir, desde logo, o acesso aos dados relativos às movimentações financeiras dos impetrantes, por estar presente o "periculum in mora", pois iminente a violação ao sigilo, com conseqüências e prejuízos irreparáveis. Pedem, também, a concessão da ordem em definitivo para que sejam anulados os procedimentos fiscais instaurados.

Com a inicial, foram anexados documentos, evidenciando a instauração dos procedimentos fiscais e o envio de requisições de informações sobre movimentações financeiras às instituições bancárias, além das intimações recebidas pelos impetrantes, os instrumentos de mandato e atos constitutivos da empresa.

A Iiminar foi deferida, sob o fundamento de estarem presentes os requisitos legais ensejadores.

Devidamente notificada, a autoridade impetrada prestou informações, arguindo, preliminarmente, a falta de legitimidade ativa "ad causam" da impetrante Biarron Marques S.A., ao argumento de inexistir direito à privacidade e intimidade conferidos à pessoa jurídica, por se tratar, na verdade, de garantia individual prevista constitucionalmente, pelo que jamais poderia uma empresa utilizar esse fundamento para impugnar o procedimento fiscal instaurado.

Argui, também, sua ilegitimidade passiva "ad causam", ao argumento de que o Secretário da Receita Federal em Brasília expediu uma instrução normativa, em que restou estabelecido que deveriam ser instaurados processos fiscais em relação às pessoas físicas e jurídicas que tivessem tido movimentações financeiras elevadas nos últimos anos, pelo que somente deu cumprimento a essa regra e, assim, entende ter sido o presente mandado de segurança dirigido contra quem não tem condições de corrigir os atos inquinados de inconstitucionais, ilegais e abusivos, além de que, pelas mesmas razões, sustenta estar caracterizada a incompetência absoluta do Juízo Federal em Campo Grande e pede seja assim reconhecido, com a conseqüente extinção do processo ou, então, a remessa para o Juízo Federal do Distrito Federal.

Aduz, ainda, estar ausente a possibilidade jurídica do pedido, tendo em vista buscarem os impetrantes a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 105/01 e Lei nº 10.174/01, o que não é viável em se tratando de mandado de segurança, somente podendo esse provimento jurisdicional ser dado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

Argui, ainda, o descabimento do mandado de segurança, sob o fundamento de que não há lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, configurando, na verdade, a pretensão deduzida um verdadeiro ataque à lei em tese, o que não é viável nesta via.

Realça, também, não ser caso de mandado de segurança, em face de a matéria exigir dilação probatória, o que não se apresenta cabível na via estreita adotada, em virtude do que pede a extinção do processo.

Destaca que o valor dado à causa, de R$ 1.000,00, está incorreto, em razão de o benefício pleiteado pelos impetrantes ser superior a R$ 230.000.000,00, razão pela qual as custas não foram recolhidas nos valores devidos e assim entende estar ausente um dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.

No mérito, sustenta a autoridade impetrada que o direito ao sigilo de dados não é absoluto, mas tem caráter relativo, podendo ser quebrado sempre que presente o interesse público, o que ao seu entender está evidenciado, na situação em tela, em razão de ter a empresa impetrante movimentado nos anos de 1999 e 2000 mais de R$ 200.000.000,00, ao passo que em sua declaração de renda consignou ter tido prejuízos, além de que o seu diretor realizou operações bancárias nesse mesmo período, individualmente, superiores a R$ 30.000.000,00, e ao Fisco apresentou declaração de imposto de renda como se estivesse isento.

Defende a constitucionalidade das normas autorizadoras da quebra de sigilo previstas na Lei Complementar nº 105/01 e Lei nº 10.174/01, sob o fundamento de que a Constituição Federal somente preservou o sigilo das comunicações e não o relativo aos dados e que sob o pálio da intimidade e privacidade não podem ser acobertados ilícitos administrativos e fiscais, pois o interesse público deve prevalecer sobre o particular, sendo que sustenta estar esse princípio insculpido no artigo 145, parágrafo 1°, da Carta Magna, que também autoriza a administração tributária, nos termos da lei, a identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Sustenta, ainda, que o acesso a dados relativos às contas bancárias e operações financeiras pode ser realizado pela autoridade fiscal, sem necessidade de prévia decisão judicial, dado neste particular não adotar a Constituição Federal a reserva do juiz, além de que a Lei nº 4.595/64 veio a ser alterada pela Lei Complementar nº 105/01, sendo que seu artigo 5°, parágrafos 4° e 5°, permitem que a autoridade fiscal exija a apresentação dos dados e documentos relativos às movimentações bancárias do contribuinte.

Aduz, também, não contar com substrato constitucional a alegação de ser somente possível a quebra de sigilo bancário para fins de investigação criminal, tendo em vista não ser essa a exegese correta do inciso XII do artigo 5° da Constituição Federal.

Destaca, ainda, que não está havendo violação ao princípio da irretroatividade da lei, tendo em vista que a legislação que rege o lançamento fiscal é anterior ao período que se pretende investigar e em relação ao qual não houve o recolhimento dos tributos devidos pelos impetrantes, sendo que a Lei Complementar nº 105/01 e a Lei nº 10.174/01 não vieram a instituir qualquer tributo, nem tampouco majorá-Io, tendo, exclusivamente, permitido a realização de uma prova necessária à constituição do crédito tributário no tocante a contribuintes desonestos, que sonegam os impostos devidos, não os recolhendo ao erário, causando, por conseguinte, grandes prejuízos à sociedade, que se vê tolhida desses recursos, que poderiam ser aplicados em atividades essenciais.

Enfatiza, assim, que os dispositivos da Lei Complementar nº 105/01 e da Lei nº 10.174/01, ao autorizarem a quebra do sigilo bancário diretamente pela autoridade administrativa, têm a natureza de normas processuais, dado disciplinarem a prova, pelo que para efeito de aplicação da lei no tempo, a sua incidência é imediata, não havendo, destarte, que se falar em ofensa a direito adquirido, ao ato jurídico perfeito ou à coisa julgada, ainda mais porque pretendem os impetrantes simplesmente obter a ocultação de rendimentos tributáveis, devidos em exercícios anteriores, e em relação aos quais não houve ainda decadência do direito do Fisco proceder ao seu lançamento.

Ademais, posiciona que o Código Tributário Nacional, artigo 144, parágrafo 1º, autoriza os agentes tributários a fiscalizar os contribuintes e acessar sua escrituração, documentos, bem como outros dados, além de que ninguém alega quebra de sigilo quando da entrega de sua declaração anual de imposto de renda, o que revela o quão despropositada é a argumentação expendida na inicial. Realça, por fim, que o acesso aos dados relativos às operações financeiras dos impetrantes não quer significar divulgação dessas informações a qualquer pessoa, dado que o sigilo é transferido aos agentes públicos responsáveis pelos processos fiscais, que devem resguardá-Io sob pena, inclusive, da perpetração de ilícito penal, pelo que não há qualquer violação à privacidade ou à intimidade, mas, isto sim, a correta aplicação da lei.

Culmina, desta forma, pleiteando sejam acolhidas as preliminares suscitadas, julgando-se extinto o processo, na forma do artigo 267, IV e VI, do CPC, e não sendo este o entendimento, que, no mérito, seja denegada a ordem.

O Ministério Público Federal emitiu parecer, reeditando as preliminares suscitadas pela autoridade impetrada e acrescentando que, no tocante às filiais da empresa impetrante, o mandado de segurança deveria ser impetrado em São Paulo e não em Campo Grande, a evidenciar a incompetência absoluta do juízo.

No mérito, opina seja denegada a ordem, sob o fundamento de que o direito à privacidade e intimidade não é absoluto, devendo ceder espaço quando presente o interesse público, no caso caracterizado pelas vultosas quantias que transitaram pelas contas dos impetrantes sem que tivessem sido declaradas ao Fisco.

Posiciona, também, que na esteira da "teoria das esferas", consagrada pela doutrina constitucional alemã e defendida por ALEXY, o direito à intimidade e à privacidade é assegurado tomando-se em consideração a existência de vários graus de proteção da vida privada, pelo que, somente na esfera mais interna, que diz respeito exclusivamente à vida pessoal, a quebra do sigilo depende de prévia autorização judicial, hipótese essa que não se registra na situação presente.

No caso em tela, por se tratar de dados pertinentes ao patrimônio dos impetrantes, que interessam não só aos seus titulares, mas também ao Estado, que precisa cumprir suas funções sociais e que tem como um de seus instrumentos justamente a tributação, a intromissão na esfera privada sofre uma proteção de menor intensidade, podendo ocorrer a sua quebra através de decisão da autoridade administrativa, ainda mais porque encontra abrigo não só na legislação invocada pela autoridade impetrada, mas, principalmente, no próprio artigo 145, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que permite à administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Tomando a questão acima enunciada como relatório, passe à fundamentação e ao dispositivo da sentença.

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