Sentença
Justiça Federal
TRF/3 - XVIII Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 3ª Região - 2015
Sentença Penal

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Enunciado Nº 002619

Utilize a narrativa abaixo como relatório e elabore a sentença, analisando integralmente os aspectos tratados no problema.


Com fulcro em um telefonema anônimo, em janeiro de 2013, a Polícia Civil representou ao Poder Judiciário, solicitando autorização para interceptar Caio e Vespasiano.


O material colhido nessas interceptações deu margem à deflagração de operação policial, visando ao cumprimento de vários mandados de busca e apreensão. Durante a operação, foram presos Caio, Tício, Mévio e Vespasiano.


Em um primeiro momento, pensou-se estar diante de grupo especializado no aliciamento de pessoas para se prostituírem, no Brasil.


No entanto, logo após a prisão, constatou-se que o tal grupo era especializado em aliciar e promover a saída de pessoas do país, para fins de exercerem a prostituição no exterior. Tão logo a internacionalidade fora constatada, o feito foi encaminhado à esfera federal.


Já na Justiça Federal, as prisões foram substituídas por medidas cautelares alternativas.


Pois bem, durante as apurações, policiais e processuais, constatou-se que, entre janeiro e dezembro de 2012, pelo menos 20 (vinte) pessoas teriam sido vítimas do grupo .


Caio e Tício cuidavam do aliciamento e do alojamento anterior à saída das vítimas do território nacional.


Mévio promovia a saída das vítimas, inclusive, cuidando de toda a parte de documentação e compra de passagens.


Vespasiano , por sua vez, costumava acompanhar as vítimas , nas viagens, com o fim de garantir que não se desviariam das obrigações assumidas, ao chegarem ao destino final.


Ficou comprovado que 15 (quinze), das 20 (vinte) vítimas, tinham conhecimento da atividade que desenvolveriam fora do território nacional. No entanto, 5 (cinco) dessas pessoas foram bastante firmes ao asseverar que haviam entendido que se tratava de proposta de trabalho; sendo certo que, ao chegarem ao local, teriam sido impedidas de deixar o estabelecimento, onde permaneceram em situação de quase escravidão sexual.


Não houve evidências de que os próprios acusados mantiveram relações sexuais forçadas com quaisquer das vítimas, ou que tivessem presenciado esse tipo de violência.


Sabe-se que havia mais pessoas envolvidas no esquema, mas não foi possível identificar todas elas.


Todas as vítimas eram maiores de idade. Todas eram do sexo masculino e transexuais. Além dos 20 (vinte) casos referentes ao ano de 2012, nas buscas e apreensões realizadas pela Polícia Civil, foi possível identificar um caso antigo, referente a um rapaz, transexual, traficado para a Espanha, em 2001.


Os réus foram denunciados como incursos no artigo 231 do Código Penal , vinte e uma vezes, em concurso material. Além da acusação pelo tráfico internacional de seres humanos , Caio, Tício, Mévio e Vespasiano foram denunciados pelo artigo 2º. da Lei 12.850/ 13.


Em sede de alegações finais, o Ministério Público Federal pleiteou a condenação , nos termos da denúncia.


A defesa, comum a todos os acusados, alegou a nulidade de todo o processo , primeiro, pelo fato de as investigações terem sido iniciadas por autoridade absolutamente incompetente (Polícia Civil); em segundo lugar, em virtude de as investigações, que antecederam as prisões, terem sido feitas, precipuamente, com fulcro em interceptações telefônicas, que se renovaram, sucessivamente, até atingir seis meses.


A defesa também sustentou a tese da nulidade, haja vista o telefonema anônimo que deu margem à própria instauração do inquérito policial.


Ainda em sede de preliminar, os réus alegaram incompetência do juízo, dado que um áudio, envolvendo Vespasiano e uma autoridade com foro privilegiado, vazara para a imprensa . Ao ver do defensor, o feito haveria de ser remetido para o Tribunal Regional Federal correspondente.


No mérito, os acusados sustentaram que traficar homens não é crime, bem como que, se fosse, o consentimento afastaria a tipicidade. Consignaram, ainda, que não seria possível falar em concurso material, mas sim em crime continuado. A defesa não se manifestou quanto à atribuição da condição de organização criminosa.

É o relatório.

Resposta Nº 003915 por Pablo Mehret Pires Media: 8.00 de 1 Avaliação


2. Fundamentação

2.1 Preliminares e prejudiciais de mérito

2.1.1 Incompetência do juízo

            A defesa pugna a incompetência deste juízo, em virtude do vazamento na imprensa de áudio envolvendo o réu Vespasiano e uma autoridade com prerrogativa de foro.

            O tão só fato de autoridade com prerrogativa de foro ter conversa sua com o réu de uma ação criminal interceptada não impõe a necessidade de remessa dos autos ao tribunal competente para o julgamento da autoridade detentora do foro privilegiado. Tal providência só se faz necessária quando pelo conteúdo da conversa surgem indícios da prática de crime pela autoridade com prerrogativa de foro, não é este, todavia, o caso dos autos.

            Rejeito, nesses termos, a preliminar.

 

2.1.2 Nulidade do processo pelo fato de as investigações policiais terem sido iniciadas com base em telefonema anônimo

            As notícias apócrifas recebidas por autoridade policial não devem ser por ela descartadas. Cabe-lhe promover investigações preliminares para averiguação da plausibilidade do alegado.

            Em casos excepcionais de elevada complexidade justifica-se a decretação de interceptação telefônica para a apuração de crime comunicado à autoridade policial em notícia anônima. Isso ocorreu no inquérito policial que instruiu a presente denúncia que envolve sofisticado e complexo grupo criminoso.

            Ademais, segundo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) eventuais nulidades ocorridas na fase de investigação criminal não maculam a ação penal subsequente.

 

2.1.3 Nulidade pelo fato de a interceptação telefônica ter perdurado por seis meses

                A jurisprudência dos tribunais pátrios é pacífica quanto à possibilidade de sucessivas prorrogações a interceptação telefônica, desde que devidamente fundamentada e a indispensabilidade a medida a cada prorrogação, durando 15 dias cada período de interceptação judicialmente autorizada.

                A expressão “uma vez” constante no art. 5º da Lei 9.296/1966 deve ser lida como “desde que”, assim tal expressão não limita a renovação da interceptação a uma só vez, mas sim impõe que cada renovação seja fundamentada na imprescindibilidade do meio de prova.

                Pelo exposto, rejeito a preliminar em tela.

 

2.1.4 Nulidade pelo fato de as investigações terem sido iniciadas por autoridade absolutamente incompetente

            A preliminar em tela não merece acolhida, pois no início das investigações as autoridades policiais acreditavam estar diante de grupo especializado no aliciamento de pessoas para a prostituição no Brasil, tão logo descoberta a transnacionalidade das condutas criminosas o feito fora encaminhado para a esfera federal.

            Assim, pela teoria do juízo aparente, preservam-se os atos, policiais e processuais, realizados pelas autoridades estaduais que de boa-fé os realizaram pensando estar apurando delitos de sua atribuição/competência.

            Tal preservação atende aos princípios da economia processual e da celeridade e evita que se percam provas irrepetíveis.

 

2.2 Mérito

2.2.1 Tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual (art. 231, do CP)

            A materialidade do crime em tela está devidamente comprovada pelas provas coligidas aos autos.

            Durante as apurações, policiais e processuais, confirmou-se que entre os meses de janeiro a dezembro de 2012 pelo menos 20 pessoas foram vítimas do grupo criminoso que as aliciaram e promoveram a saída do território nacional para fins de prostituição e outras formas de exploração sexual no estrangeiro.

            A autoria dos réus também restou provada, segundo apurado os réus Caio e Tício ocupavam-se do aliciamento e do alojamento anterior a saída das vítimas do território nacional, atos preparatórios criminalizados antecipadamente pelo legislador (art. 231, § 1º, do CP).

            O réu Mévio promovia a saída das vítimas, inclusive, cuidando de toda a parte de documentação e compra de passagens aéreas (art. 231, caput, do CP).

            O réu Vespasiano tinha a incombência de acompanhar as vítimas nas viagens, garantindo que elas efetivamente ao chegar ao destino final cumpririam as obrigações assumidas (prestação de serviços sexuais).

            As teses defensivas quanto ao mérito do crime não merecem acolhida.

            O fato de as vítimas serem transexuais (homens) não torna a conduta atípica, pois o tipo penal formal tem por sujeito passivo do crime em tela: “alguém”, indiferente, portanto, sexo biológico da vítima.

            O consentimento da vítima também é irrelevante para a configuração do crime, não se aplica ao caso o consentimento da vítima quer para excluir a tipicidade (eis que não integra as elementares do tipo em questão a ausência de consentimento), quer para excluir a ilicitude do crime como causa supralegal.

            A dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico do nosso ordenamento jurídico, torna indisponíveis certos direitos, entre eles a dignidade e integridade física e sexual. Violações a tais bens não podem ser admitidas a pretexto de consentimento da vítima.

            Ademais, das 20 vítimas do grupo criminoso traficadas em 2012, 5 em seus depoimentos asseveraram desconhecer que estavam indo para o exterior para prestar serviços de cunho sexual e que ao chegarem ao local de destino foram impedidas de deixar o estabelecimento no qual permaneceram em situação de quase escravidão sexual. Essas 5 vítimas, portanto, não houve consentiram com a situação, foram ludibriadas por comportamento fraudulento dos réus.

            Considero, portanto, praticado o crime em tela pelos réus, que com dolo (liberdade e consciência) promoveram a saída de pessoas do território nacional para fins de exploração sexual no estrangeiro.

            Acolho o pleito da defesa para considerar os 20 crimes praticados em 2012 como em continuidade delitiva, pois atendidos os pressupostos do art. 71, do Código Penal (crimes praticados com as mesmas circunstâncias de tempo, modo, lugar e maneira de execução); ao invés do concurso material, pleiteado pelo parquet.

            Quanto ao suposto delito praticado em 2001, absolvo os réus por insuficiência de provas. Os elementos probatórios carreados aos autos não são suficientes a formação de juízo condenatório (“in dubio pro reo”).

 

2.2.2 Do crime de associação criminosa (art. 288, do CP)

                Nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, procedo à “emendatio libelli”, alterando a capitulação do crime imputado aos réus de organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013) para associação criminosa (art. 288, do CP). Isso porque a conduta imputada aos réus refere-se a fatos anteriores à vigência da Lei 12.850/2013, sendo esta lei mais gravosa é irretroativa.

                Conforme já minudenciado na análise do crime do art. 231, do Código Penal, os réus associaram-se de forma permanente e estável para o fim de cometer crimes (tráfico de pessoas), pelo que lhes cabe condenação por associação criminosa.

                A configuração do crime em tela dispensa maiores digressões, porquanto a comprovação da materialidade e da autoria aproveita os argumentos já expendidos na análise do crime de tráfico de pessoas, lá fora exposto como funcionava o grupo criminoso e a atuação de cada um dos integrantes. A defesa sequer apresentou tese defensiva quanto ao crime em comento.

               

3. Dispositivo

            Pelo exposto:

  1. Condeno (art. 387, I) os réus pela prática do crime do art. 231, do CP (tráfico de pessoas para fins de exploração sexual), por 20 vezes, no decorrer do ano de 2012, em continuidade delitiva;
  2. Condeno os réus (art. 387, I) pelo crime de associação criminosa (art. 288, do CP);
  3. Absolvo os réus (art. 387, VII) quanto ao crime do art. 231, do CP (tráfico de pessoas para fins de exploração sexual), supostamente praticado em 2001.

 

3.1 Aplicação das penas

            Atento ao princípio da individualização da pena, procedo à aplicação das penas aos réus seguindo o método trifásico de dosimetria (art. 68, do CP) e atento às exigências de proporcionalidade e razoabilidade na cominação de penas suficientes à prevenção e à reprovação dos crimes.

- Dosimetria

- Crime do art. 231, do CP

Réu: Caio

            A culpabilidade do agente é norma à espécie; não possui antecedentes criminais; a conduta social e a personalidade não podem ser valoradas pelos elementos constantes nos autos; os motivos dos crimes são próprios do tipo (obtenção de lucro); as circunstâncias e consequências do crime não desbordam as comuns à espécie; o comportamento da vítima não influiu na prática dos crimes.

            Assim, fixo a pena base em 3 anos de reclusão.

            Não havendo circunstâncias atenuantes ou agravantes mantenho a pena intermediária no patamar fixado na pena base.

            Em virtude da fraude contra 5 das vítimas, que foram transportadas sem saber que seriam submetidas à exploração sexual, aumento a pena da metade (art. 231, § 2º, IV, do CP), passando para  4 anos e 6 meses de reclusão; em virtude da continuidade delitiva (art. 71, do CP), crimes praticados por 20 vezes, aumento a pena em 2/3, fixando-a definitivamente em 7 anos e 6 meses de reclusão.

            Ante a finalidade lucrativa do tráfico de pessoas, comino, ainda, a pena de multa (art. 231, § 3º, do CP), fixada em 90 dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, ante a ausência de informações nos autos da situação econômico-financeira do réu.

 

Réus: Tício, Mévio e Vespasiano.

            Sem prejuízo à individualização da pena, ante a similitude das circunstâncias judiciais (objetivas e subjetivas), das agravantes e atenuantes e das causa de aumento e diminuição das penas, aplico aos réus aludidos a mesma pena privativa de liberdade e de multa acima dosada para o réu Caio.

 

- Do crime do art. 288, do Código Penal

Réus: Caio, Tício, Mévio e Vespasiano.

            As circunstâncias judiciais (objetivas e subjetivas) são as mesmas apontadas na dosimetria do crime do art. 231, do Código Penal, pelo que fixo a pena base em 1 ano de reclusão.

            Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes e causa de diminuição ou de aumento de pena, converto a pena base em definitiva.

 

- Concurso material de crimes (art. 69, do CP)

            Em virtude do concurso material de crimes, somo as penas privativas de liberdade impostas aos réus, que passam para 8 anos e 6 meses de reclusão.

 

- Detração (art. 387, § 2º)

            Por força do dispositivo legal em tela, decresço da pena a ser cumprida os dias em que os réus foram submetidos á prisão cautelar no curso das investigações criminais.

 

 - Regime inicial de cumprimento da pena

            Em observância ao “quantum” de pena definitivamente aplicada, os réus deverão iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado (art. 33, § 2º, a, do CP).

 

- Substituição de pena (art. 44, do CP) e sursis penal (art. 77)

            O requisito objetivo, “quantum” de pena aplicada, para a concessão de tais benesses não foi atendido, portanto, descabe a sua concessão.

 

- Direito de recorrer em liberdade (art. 387, § 1º c/c art. 312, ambos do CPP)

            Ausentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, tem os réus o direito de recorrer em liberdade.

 

3.2 Providencias finais

                Condeno os réus, solidariamente e em partes iguais, ao pagamento das custas processuais;

            Após o trânsito em julgado, providencie a secretaria:

  1. A inclusão do nome dos réus no rol dos culpados (Resolução n. 408/CJF);
  2. Comunicação ao Tribunal Regional Eleitoral do domicílio dos condenados, para suspensão dos direitos políticos enquanto perdurarem os efeitos da sentença penal condenatória (art. 15, III, da CF);
  3. Comunicação às autoridades policiais, para inserção dos dados em seus cadastros de dados criminais;
  4. Expeça-se guia de recolhimento definitiva endereçada ao digníssimo juízo da execução penal;
  5. Intimem-se os réus para o pagamento das multas e das custas processuais.

 

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Local, data.

Juiz Federal Substituto.

 

 

 

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