Joaquim ajuizou uma ação indenizatória cível pleiteando danos morais em face de determinada concessionária de serviços de telefonia móvel, instruindo seu pedido com uma certidão falsificada pelo próprio, na qual constava o seu nome como inscrito em um cadastro geral de devedores inadimplentes, o que teria se dado por iniciativa indevida da mencionada empresa. No decorrer do itinerário processual, obedecido o amplo contraditório, a apontada fraude não restou descoberta, já que a própria pessoa jurídica, por desorganização de seus quadros administrativos, acreditou na veracidade do documento. Isso porque Joaquim freqüentemente atrasava o pagamento de suas contas mensais, o que ocasionava o envio de reiteradas advertências quanto à possibilidade de encaminhamento de seus dados aos órgãos de proteção ao crédito, embora isso jamais tivesse ocorrido. Ao final da demanda, o pedido foi julgado procedente, com a conseqüente condenação da ré e fixação dos valores pleiteados.
Seis meses após o trânsito em julgado do provimento jurisdicional. a pessoa jurídica sucumbente obteve dados irrefutáveis que atestaram a falsidade do documento utilizado por Joaquim no processo original, tendo, por tal razão, ingressado com Ação Rescisória (artigo 485, III e VI do Código de Processo Civil) visando desconstituir a coisa julgada material, o que, efetivamente, veio a ocorrer.
No corpo do acórdão rescisório, ficou determinada a extração de cópias do expediente e posterior remessa ao Ministério Público, para apuração dos crimes de Estelionato Judiciário e Fraude Processual.
Na qualidade de Promotor de Justiça com atribuição natural, formule a correspondente opinio delicti, tipificando a conduta de Joaquim, sem necessidade de elaboração de peça processual. Resposta objetivamente fundamentada.
A princípio, o conduta perpetrada por Joaquim encontra subsunção somente no delito do art. 300, §1º do CP, qual seja, falsificação material de certidão para obteção de vantagem.
Por se tratar de crime comum, não há óbice ao seu implemento por particular, como ocorreu na espécie. Consuma-se ainda que não tenha auferido vantagem com a utilização, vez se tratar de crime de formal (consumação antecipada, ou de resultado cortado). A utilização do documento falsificado constitui post factum impunível, aplicando-se ao agente somente as penas do delito de falso, incidindo o princípio da consunção.
Em que pese opinião em contrário, o agente não praticou o delito de estelionato judiciário, previsto no art. 171, §3º do CP. Isso porque, na esteira da jurisprudência do STJ, o princípio da inafastabilidade da jurisdição(art. 5º, XXXV CF), aliado a dialética processual que permite o controle das alegações pelas partes, inclusive do juiz, não permite a consumação através dos verbos núcleos do tipo penal. Destarte, segundo o Colendo Tribunal, não seria possível induzir ou manter em erro o magistrado para fins de tipificação do art. 171 CPC, ressalvada a possibilidade quanto ao ilícito do falso documental.
No mesmo sentido, não se pode tipificar o delito de fraude processual, art. 347 do CP. Isso porque, conforme se aduz, não houve alteração do estado de lugar, de pessoa ou coisa a fim de induzir a erro o magistrado. Houve, isso sim, instrução processual através de juntada de documento materialmente falso, circunstância díspar daquela prevista no tipo do art. 347 CP.
A par das afirmações, entende-se em sentido divergente da jurisprudência do STJ, posto que o agente não se valeu de mera retória falsa para enganar o juiz e obter vantagem indevida. No caso, foi utilizado documento materialmente falso, capaz de configurar o ardíl, ou seja, o mecanismo fraudulento ensejador da reprimenda penal prevista no art. 171 do CP.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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