Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura neles esforçada. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 924.)
A assertiva acima reproduzida já pertence à antologia jurídica nacional, e, pela autoridade e erudição argumentativa, tem sido vastamente utilizada em arrazoados jurídicos, sejam eles petitórios ou normas decisórias individuais.
Nem por isso, o texto tem escapado de aceso debate doutrinário, que, antes de ser meramente terminológico, imbrica-se com o rigor no uso da linguagem e clareza na fundamentação, propiciando mais eficaz controle das decisões administrativas e, nomeadamente, judiciais.
Posto isso, discorra, em até duas laudas, a respeito do tema, buscando expor as opiniões doutrinárias pertinentes, e o acerto, na sua visão, de cada uma delas.
No século XXI, os princípios deixam de ter caráter metafísico (como ocorria sob a influência jusnaturalista) ou simples finalidade de colmatar lacunas (como ocorria sob a influência juspositivistas) e são erigidos, juntamente com as regras, ao caráter de normas.
Isso, contudo, não pode conduzir à desvalorização das regras, que, segundo Humberto Ávila, possuem a vantagem de eliminar controvérsias e incertezas, bem como os custos a elas associados, e de reduzir a arbitrariedade. Se não se concebe um ordenamento jurídico formado exclusivamente por regras - o que redundaria em rigidez exagerada, tampouco se imagina um ordenamento jurídico composto apenas por princípio - o que culiminaria em excessiva abertura, gerando insegurança jurídica.
A doutrina tem dirigido críticas ao emprego desmesurado e pouco científico dos princípios. Lenio Streck, por exemplo, menciona a invocação de princípios "ad hoc", para justificar decisões tomadas previamente, em geral à margem da lei. Cita como exemplo determinado julgamento em que o princípio da dignidade humana fundamentou, no STF, votos diametralmente opostos.
Para que uma decisão cumpra com o dever constitucional de fundamentação (art. 93, inciso IX, da CF), ela deve, segundo Fredie Didier Júnior, ser clara, racional, baseada em elementos constantes dos autos e controlável. Nesse trilhar, o art. 489 do CPC fornece diretrizes interessantes, estabelecendo que não se considera fundamentada a decisão que se limitar a invocar conceitos jurídicos indeterminados, sem demonstrar a incidência no caso concreto (inciso); ademais, no caso de colisão entre normas, o magistrado deve justificar o objeto e os critérios de ponderação, indicando as razões pelas quais determinada norma deve ser afastada. No mesmo norte, o art. 20 da LINDB estabelece que, nas esferas controladora, judicial e administrativa, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências da decisão, que deve demonstrar, ainda, a necessidade e a adequação da medida adotada.
A observância do rigor técnico e dos dispositivos legais pertinentes é imprescindível para que a fundamentação desempenhe seus papéis interno (permitir que a parte interessada recorra e ao órgão ad quem apreciar seus argumentos, contrapondo-os ao da decisão, em um processo dialético) e externo (permitir que o povo, em cujo nome é exercido o poder, afira a legitimidade da decisão).
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