Sentença
Justiça Federal
TRF/1 - 16º Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 1ª Região - 2015
Sentença Penal

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Enunciado Nº 000320

O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia contra Tomás, por ofensa ao art. 288 do CP; art. 155, § 4.º, II, do CP (dez vezes); art. 155, § 4.º, II, c/c o art. 14, II, do CP (quinze vezes); art. 10 da LC n.º 105/2001, todos c/c o art. 69 do CP; contra André, por ofensa ao art. 288 do CP; art. 155, § 4.º, II, do CP (dez vezes); art. 155, § 4.º, II, c/c o art. 14, II, do CP (quinze vezes); art. 10 da LC n.º 105/2001, todos c/c o art. 69 do CP; contra Otávio, por ofensa ao art. 288 do CP; art. 155, § 4.º, II, do CP (dez vezes); art. 155, § 4.º, II, c/c o art. 14, II, do CP (quinze vezes); art. 10 da LC n.º 105/2001, todos c/c o art. 69 do CP; e contra Fábio, por ofensa ao art. 288 do CP; art. 155, § 4.º, II, do CP (dez vezes); art. 155, § 4.º, II, c/c o art. 14, II, do CP (quinze vezes); art. 10 da LC n.º 105/2001, todos c/c o art. 69 do CP. O argumento é de que os denunciados, todos imputáveis e maiores de 21 anos, com vontade livre, conscientes e com unidade de desígnios, associaram-se de forma estável, permanente e com repartição de tarefas, para o cometimento de delitos contra instituições financeiras, em especial o Banco do Brasil S.A. (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF).

A denúncia relata a existência de grupo criminoso idealizado, controlado, financiado e estruturalmente organizado pelos referidos acusados, os quais cooptaram os demais membros do grupo, denunciados em processo separado.

Conforme consta da denúncia, a cúpula do grupo criminoso aliciava técnicos de empresas prestadoras de serviços de manutenção de máquinas de autoatendimento com a promessa de pagamento de quantias consideráveis de dinheiro. A função desses técnicos era a de conectar às placas computacionais de terminais de autoatendimento (ATM) equipamentos de captação e armazenamento de senhas e outros dados bancários (por eles denominados peças), desenvolvidos e fornecidos pelo grupo, e retirá-los quando estivessem carregados desses dados.

Uma vez efetuada a subtração de dados bancários, eram confeccionados novos cartões, que reproduziam os dados então obtidos. A clonagem de cartões a partir de dados compilados permitia saques espúrios e transferências fraudulentas de valores existentes nas contas bancárias, realizados por membros da quadrilha e por terceiros cooptados para tal finalidade, denominados sacadores ou boqueiros, em diversas regiões do país.

O modus operandi do grupo criminoso contava com tecnologia apropriada, sempre renovável, e com arquitetura ramificada, de modo a difundir pelo país a empreitada criminosa e, ao mesmo tempo, dificultar as investigações e ações preventivas por parte dos bancos.

Tomás foi o idealizador dos equipamentos de captura e armazenamento de dados bancários e senhas, as denominadas peças. Contava com auxílio direto, intelectual e financeiro, de André e do irmão, Otávio. Fábio, por sua vez, era o responsável por adquirir, confeccionar, desenvolver e consertar equipamentos eletrônicos utilizados para captação e armazenamento de dados bancários e senhas, projetados por Tomás.

Conforme sustenta o MPF, os acusados, com o auxílio dos técnicos cooptados para a instalação dos equipamentos nos terminais de autoatendimento e dos sacadores, teriam praticado dez crimes de furto consumado na cidade de Goiânia – GO em terminais da CEF, nos dias 6 e 7/11/2009, além de quinze tentativas na cidade de Anápolis – GO, em agências do BB, todos qualificados pela fraude. Consta dos autos que, em Anápolis – GO, os sacadores usaram os cartões clonados para transferir valores das contas cujos dados foram subtraídos, mas não foi possível consumar os furtos porque a instituição conseguiu bloquear a operação. O MPF defende, ainda, que os acusados, ao subtrair e acessar, sem autorização judicial, informações que eram objeto de sigilo bancário, incorreram no crime descrito no art. 10 da LC n.º 105/2001.

Após o recebimento da denúncia, em 30/11/2010, o processo foi desmembrado em relação aos outros participantes do esquema criminoso. Todos os acusados foram notificados, apresentaram resposta à acusação e deixaram para discutir o mérito nas alegações finais. A instrução foi concluída sem intercorrências com a oitiva de várias testemunhas. Diga-se, ainda, que, além da prova testemunhal, foi produzida prova por meio da interceptação das comunicações telefônicas dos acusados, com a demonstração dos fatos alegados na inicial. Consta, ainda, dos autos a informação da CEF de que foram subtraídos R$ 900.000,00.

O MPF, em alegações finais, justificou, primeiramente, a competência do juízo federal de Goiânia – GO em face da prevenção. No mérito, pugnou pela procedência da denúncia, com a condenação dos acusados nos termos da inicial, e requereu que a pena fosse fixada no regime fechado em face da incidência dos artigos 9.º e 10 da Lei n.º 9.034/1995. Pediu, ainda, a aplicação do concurso material, ao considerar que os réus fizeram do crime o modus vivendi.

Os denunciados apresentaram as seguintes alegações finais: a) preliminar de incompetência do juízo de Goiânia – GO, visto que em Anápolis – GO o número de crimes foi maior, ou a separação dos processos ante a incompetência da justiça federal para processar as infrações praticadas contra o BB; b) não incidência da Lei n.º 9.034/1995, ante o argumento de que a Convenção de Palermo não tem o condão de definir organização criminosa; c) negaram a autoria dos fatos descritos na denúncia; d) impugnaram a classificação jurídica de furtos qualificados pela fraude, asseverando que o melhor seria enquadrá-los como estelionato; e) defenderam a atipicidade em relação ao art. 10 da LC n.º 105/2001, em face do princípio da consunção; f) asseveraram que o conjunto probatório é insuficiente para a condenação; g) em caso de condenação, requereram aplicação das penas em conformidade com a regra do art. 71 do CP, segundo os critérios legais e parâmetros consolidados pela jurisprudência.


Considerando os fatos acima relatados, profira sentença, com data de junho de 2012, observando todas as teses alegadas pelas partes, e enfrente cada uma delas com a devida motivação. Para isso, considere dispensado o relatório e de livre indicação as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, e não olvide a jurisprudência pacificada a respeito do tema.

Resposta Nº 006059 por Eliezer Pernambuco


É o relatório. Passo a decidir.

Fundamentação

1. Preliminar de incompetência

A questão preliminar arguida pelos acusados, acerca da competência deste juízo federal para o julgamento do feito, deve ser acolhida em parte. No tocante aos crimes tentados que vitimaram a instituição financeira Banco do Brasil, entendo estar o pleito ministerial à margem das regras constitucionais de competência da Justiça Federal, tomando em conta especialmente o inciso IV do art. 109 da Carta da República.

O Banco do Brasil é sociedade de economia mista controlada pela União, de modo que as, digo, os crimes praticados contra bens dessa empresa estatal devem ser levados a julgamento perante a Justiça Comum Estadual, remanescendo a competência desta Vara Federal quanto aos crimes que possuem a Caixa Econômica Federal como sujeito passivo, dada sua natureza de empresa pública.

2. "Emendatio libelii"

Acolho o pleito defensivo quanto à capitulação jurídica dos fatos descritos pelo douto "Parquet" federal como furtos mediante fraude. Com efeito, a fraude levada a efeito pelos réus é inerente à própria execução das condutas imputadas. Verifica-se que, por meio dos cartões falsos confeccionados, os membros do grupo criminoso ficaram aptos a fazerem-se passar por cont, digo, correntistas da CEF, visto que apenas estes poderiam efetuar licitamente os saques nas máquinas automáticas. A imputação, portanto, amolda-se ao tipo do estelionato.

Ressaltando que os acusados defendem-se dos fatos imputados e não de sua capitulação jurídica, altero a definição, quanto a tais fatos, nos termos do art. 383, "caput", do Código de Processo Penal (CPP), para o art. 171, "caput", do Código Penal (CP).

3. Autoria e materialidade

O conjunto probatório acostado ao presente feito demonstra que os fatos ocorreram nos termos da descrição contida na exordial acusatória. Os elementos de prova carreados, após submissão ao contraditório, ordinário ou diferido, conforme o caso, formam o convencimento deste juízo quanto à presença de materialidade delitiva, mormente ante os valores subtraídos da instituição financeira e o aparato tecnológico utilizado para tal finalidade.

Também se encontra suficientemente demonstrada a tipicidade subjetiva. Reuniram-se os acusados visando à contínua prática de saques e operações fraudulentas sendo sen, digo, certo que os denunciados compartilharam o planejamento e o controle da execução das condutas, agindo em coautoria quanto aos crimes-fim.

Ressalto, ademais, que a defesa dos acusados não logrou produzir elementos capazes de infirmar as imputações formuladas.

4. Consunção dos crimes de violação de sigilo bancário

Vislumbro que os fatos descritos pelo órgão de acusação como aderentes ao art. 10 da Lei de Sigilo Bancário são ínsitos à formação do meio fraudulento utilizado pelos denunciados para a execução do estelionato. Tal circunstância vai ao encontro da alegação defensiva pela aplicação da consunção, vez que a denominada "clonagem" de cartões é um meio comum para a prática de estelionatos contra instituições financeiras.

Verifico, ademais, que as margens de pena cominada para o estelionato autorizam a consunção na hipótese, tanto por permitirem reprimenda adequada ao desvalor único das ações, quanto por se adequarem à premissa apontada pela jurisprudência dominante neste Primeira Região, no sentido de que o crime-meio só é consumido nos casos em que sua pena em abstrato é inferior à do crime-fim.

5. Concurso de crimes

Acato a alegação ministerial quanto à existência de concurso material entre os crimes de quadrilha e estelionato, ante a inequívoca presença de pluralidade de condutas em condições temporais diversas.

Não obstante, entre os diversos crimes de estelionato praticados, entendo assistir razão à defesa acerca da aplicação das regras do crime continuado. Nota-se não apenas a presença dos requisitos objetivos para configuração dessa modalidade de concurso, estabelecidos no art. 71, "caput", do CP, como também do elemento subjetivo (indispensável segundo a remansosa jurisprudência dos Tribunais Superiores) manifestado, no caso em questão, pelo êxito inicial da empreitada delitiva, dando azo ao surgimento do dolo de continuação, definido pela melhor doutrina como o "fracasso psíquico" configurado pelo aproveitamento múltiplo de situação de fato favorável à, digo, que favorece a execução dos crimes.

De fato, as denominadas "peças" confeccionadas pelos réus permitiam a realização plúrima de crimes idênticos, de modo que, digo, a autorizar a aplicação, "in casu", da unidade ficta das infrações em comento.

6. Regime inicial de cumprimento de pena

No que tange à postulação do Ministério Público Federal de imposição de regime fechado de cumprimento de pena aos acusados, entendo que as digressões defensivas sobre o não cabimento do pleito são de análise dispensável neste feito. Com efeito, ainda que entendida como constitucional a conceituação de organização criminosa internalizada em nosso ordenamento, certo é que a imposição, digo, fixação "ex lege" de regime inicial de cumprimento de pena já foi reiteradamente declarada como inconstitucional pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, tanto em sede de controle difuso quanto em julgamentos de controle abstrato, sendo os fundamentos dessas decisões inteiramente aplicáveis ao caso em questão.

Fato é que a imposição "a priori" de regime inicial vulnera garantias fundamentais do indivíduo, consubstanciadas no princípio da individualização da pena inscrito no art. 5º, XLVI, cabendo à lei prever os parâmetros de fixação do regime de forma proporcional à condenação, o que atualmente é feito pelo art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, cabendo, digo, sendo a indicação do regime penalmente adequado ato proprio do magistrado seguindo os parâmetros legais, como adiante se fará.

Dispositivo

Diante de todo o exposto:

I. em relações, digo, relação às imputações relativas aos crimes praticados contra o Banco do Brasil, julgo extinto o processo sem apreciação do mérito, na forma do art. 267. IV, do Código de Processo Civil, e determino a remessa de cópias das peças pertinentes à Justiça Estadual em Anápolis;

II. em relação às demais imputações, julgo procedente em parte o pedido do "Parquet", para condenar Tomás, André, Otávio e Fábio nas penas do art. 288, "caput" do CP e do art. 171, "caput", também do CP, estas últimas em combinação com o art. 71, "caput" do mesmo diploma.

Passo à dosimetria.

De plano, retoma-se o exposto na fundamentação quanto ao fato de os réus haverem compartilhado o planejamento e o controle da execução da empreitada delituosa, não havendo, entre estes, importância superior da conduta de um sobre as dos demais, devendo, em linha de princípio, ser aplicada idêntica reprimenda aos quatro acusados, à vistas de tais cricunstâncias.

Feita essa observação, passo a fixar a pena do crime de quadrilha, seguindo o método trifásico previsto no "caput" do art. 68 do CP.

Os vetores de quantificação da pena-base são neutros para todos os acusados, razão pela qual fixo-a, para os fins do art. 59 do CP, no mínimo legal, e, ante a ausência de agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena em 1 (um) ano de reclusão para os quatro réus.

Para o crime de estelionato, dado o reconhecimento da continuidade delitiva, tomar-se-á em conta apenas uma das infrações para fins de aplicação da pena, sempre seguindo o tríplice exame.

Na primeira etapa, os vetores do art. 59 do CP são neutros, à exceção das circunstâncias do crime. Quanto a estas, verifico que os delitos foram concebidos de forma sofisticada, com detalhada elaboração e divisão de tarefas, e uso de aparelhos eletrônicos com elevada potencialidade lesiva, pois que aptos a extrair dados de inúmeros correntistas. Por tais razões, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão para todos os acusados.

Na segunda etapa, imponho aos réus a agravante do art. 62, I, do CP, aumentando a pena em 1/7 (um sétimo), alcançando, portanto, 2 (dois) anos de reclusão.

No exame derradeiro, aplico a causa de aumento referente ao crime continuado, a qual, à vista do número de saques efetuados (dez ao todo), inc, digo, faço ind, digo, faço incidir no máximo de 2/3 (dois terços) e, à ausência de outras majorantes ou minorantes, torno definitiva a pena dos quatro réus em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

A pena de multa deve ser aplicada em proporcionalidade com a pena privativa de liberdade fixada. Nesse sentido, adoto as mesmas razões acima expostas para fixar a pena-base do estelionato em 21 (vinte e um) dias-multa, a qual agravo em 1/7, para 24 (vinte e quatro) dias-multa.

Na pena de multa não se adota a majorante da continuação, pois a regra do art. 72 do CP é o cúmulo material, pelo que torno definitiva a pena em 240 (duzentos e quarenta) dias-multa para todos os acusados.

Unifico, assim, as penas em 4 anos e 4 meses de reclusão e 240 dias-multa para os quatro réus.

Fixo o valor do dia-multa em 1/4 (um quarto) do salário mínimo, dada a razoável situação econômica dos quatro acusados (art. 60, "caput", do CP).

As penas privativas de liberdade serão cumpridas inicialmente em regime semi-aberto (art. 33, § 2º, "b", do CP), sendo incabível, na hipótese, a substituição por pena restritiva de direitos (art. 44, I, do CP).

Decreto a perda dos valores obtidos pelos réus com os saques indevidos, quantificada pelo ofendido em 900 mil reais, e dos instrumentos eletrônicos e demais petrechos utilizados nas fraudes (art. 91, II, do CP).

Deixo de fixar o valor mínimo de indenização referido no art. 387, IV, do CPP, tendo em vista a falta de pedido formulado pelo "Parquet" neste sentido. Pela mesma razão e, ainda, em respeito ao sistema acusatório, entendo incabível a decretação de prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar sem postulação do órgão do Ministério Público.

Expeçam-se as guias de execução provisória. Após, digo, Havendo trânsito em julgado, façam-se os registros da condenação e enviem-se as comunicações à Justiça Eleitoral e ao órgão de identificação civil.

P.R.I.

Goiânia, junho de 2012.

Juiz Federal Substituto

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