No âmbito do Município Alfa, localizado no Estado de São Paulo, foi sancionada, promulgada e publicada a Lei Municipal n.º 1.000, de 02 de abril de 2019, instituindo a “Semana Ecumênica da Paz”, que determinou a fixação, no calendário oficial municipal, da primeira semana de cada ano como dedicada à celebração da paz mundial e à cooperação entre as distintas religiões dos povos. Na justificativa do projeto legislativo, anotou-se a pertinência da iniciativa em virtude de recentes atos de intolerância religiosa. A Associação Beta, institucionalmente voltada à proteção da igualdade e da livre pronunciação étnica, religiosa e de raças, instituída em janeiro de 2020, propôs, no mês seguinte, ação civil pública contra a Câmara Municipal de Alfa, requerendo seja invalidada referida lei, uma vez que, em seu entender, o Estado é laico e, como tal, não lhe cabe ditar ou fomentar as convicções religiosas dos cidadãos. Pleiteou a invalidação da lei, por sua inconstitucionalidade, e condenação da Câmara Municipal em compensação por danos morais coletivos, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Diante do caso, o Juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Alfa, determinou a citação da Câmara Municipal. Na condição de Procurador(a) da Câmara Municipal de Alfa, adote a medida processual com o intuito de enfrentar a pretensão da Associação Beta, mediante a exposição dos fundamentos fáticos e jurídicos pertinentes.
Excelentíssimo Juízo de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Alfa
Ação Civil Pública
Autos nº
A Câmara Municipal do Município Alfa, localizado no Estado de São Paulo, por seu procurador, mandato ex lege conforme dispõe o art. 75, III, do CPC, vem respeitosamente, perante vossa excelência, apresentar, com base nos artigos 300 e 188 do Código de Processo Civil e do artigo 19, da Lei Federal 7.347/85, apresentar CONTESTAÇÃO à Ação Civil Pública promovida por Associação Beta, pelos substratos fáticos e jurídicos expostos a seguir:
1. DOS FATOS
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pela Associação Beta, institucionalmente voltada à proteção da igualdade e da livre pronunciação étnica, religiosa e de raças, instituída em janeiro de 2020, proposta contra a Câmara Municipal de Alfa, visando invalidação da Lei Municipal n.º 1.000, de 02 de abril de 2019, instituindo a “Semana Ecumênica da Paz”, que determinou a fixação, no calendário oficial municipal, da primeira semana de cada ano como dedicada à celebração da paz mundial e à cooperação entre as distintas religiões dos povos.
2. PRELIMINARMENTE
2.1. Ilegitimidade da parte
Associação requerente foi instituída em janeiro de 2020. No mês seguinte, propôs a ação civil pública.
Nos termos do art. 5º, inciso V, da Lei 7.347/1985, tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar a associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Nesse sentido, resta evidente que a associação em comento ainda não adimpliu o requisito temporal para fins de legitimidade, razão pela qual, na forma dos arts. 354 e 485, inciso VI, do CPC, essencial a extinção sem julgamento do mérito.
3. NO MÉRITO
No mérito, melhor sorte não está reservada à ação.
A Lei Municipal n.º 1.000, de 02 de abril de 2019, instituiu a “Semana Ecumênica da Paz”, que determinou a fixação, no calendário oficial municipal, da primeira semana de cada ano como dedicada à celebração da paz mundial e à cooperação entre as distintas religiões dos povos.
A associação autora, entretanto, alega que a lei seria passível de invalidação pois, sendo o Estado laico e, como tal, não lhe caberia "ditar ou fomentar as convicções religiosas dos cidadãos".
Pois bem. O ecumenismo é um processo de entendimento que reconhece e respeita a diversidade entre as igrejas. A ideia de ecumenismo é, exatamente, reunir as mais diversas crenças que, em última análise, permite desenvolver um espírito de paz, aceitação e tolerância entre as diferentes religiões, credos e cultos.
A instituição de datas comemorativas, por sua vez, tem por finalidade o resgate de nossa memória como instrumento de afirmação da cidadania e de valorização da identidade nacional.
A legislação em comento, portanto, tem consonância com a pluralidade cultural do povo brasileiro e com os valores de respeito e tolerância que tanto prezamos em nossa sociedade.
É válido ressaltar que a nossa Constituição Federal (CF/88) consagra valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como se vê em seu preâmbulo. E tem entre os seus fundamentos (art. 1º) o pluralismo político e, entre os seus objetivos (art. 3º) , promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ademais, entre os direitos e garantias fundamentais, consta, no art. 5ª, inciso V, da CF/88, ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
É bem verdade que a CF/88 consagra, também, a laicidade estatal (art. 19, inciso I), que veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa. Entretanto, essencial distinguir princípio da laicidade com o laicismo. O fato de o Estado ser laico não lhe impõe uma conduta negativa diante da proteção religiosa. Ao contrário, é fundamental que o Estado proteja a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais se inclui a liberdade religiosa e o direito de culto, o que se pretende mediante a lei em comento.
Nesse sentido, resta evidente que a Lei Municipal n.º 1.000, de 02 de abril de 2019, que fixou, no calendário oficial municipal, a primeira semana de cada ano como dedicada à celebração da paz mundial e à cooperação entre as distintas religiões dos povos, amolda-se aos valores constitucionais, não merecendo razão às alegações da parte autora.
4. PEDIDOS.
Diante do exposto, requer a Câmara Municipal do Município Alfa:
a) preliminarmente, a extinção da ação sem julgamento do mérito, na forma dos arts. 354 e 485, inciso VI, do CPC;
b) o indeferimento do pleito de condenação da Câmara Municipal em compensação por danos morais coletivos, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública;
c) no mérito, nos termos da fundamentação ao norte desenvolvida, requer sejam os pedidos julgados improcedentes, com a condenação do autor ao ônus da sucumbência.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova.
Nesses termos, pede deferimento.
Local, data
Procurador da Câmara Municipal
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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