Trata-se de ação ordinária ajuizada por Maria da Silva, nascida em 01/01/1980, e por Januário da Silva, menor impúbere nascido em 01/01/2002, representado por sua mãe (a autora Maria da Silva), contra o DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e contra a União Federal.
Narram os autores que João Feliciano da Silva, esposo de Maria e pai de Januário, faleceu no dia 01/03/2011, quando trafegava na rodovia BR-116, próximo à cidade de Lages, em Santa Catarina. Alegam que o acidente ocorreu em virtude de um buraco na pista, tendo o veículo dirigido por João Feliciano se desgovernado e capotado, causando a morte instantânea do condutor. Argumentam que a responsabilidade no caso é de índole objetiva e cabe a reparação de todos os danos causados. Em razão do exposto, requerem os autores: 1) pagamento de indenização por danos materiais, em virtude da perda total do veículo, no montante de R$ 25.000,00 corrigidos pela SELIC desde a data do acidente, conforme avaliação feita por meio da tabela FIPE; 2) pagamento de pensão para Maria da Silva até seu falecimento e de pensão até os 25 anos para Januário da Silva, no montante total de três salários mínimos, remuneração que João Feliciano recebia à época do seu falecimento, como comprovam os contracheques juntados pelas partes, com correção mensal futura da pensão com base no INPC e incidência da SELIC sobre os atrasados; 3) pagamento de indenização por danos morais estipulada em R$ 70.000,00 para cada autor; 4) condenação nas custas e honorários advocatícios. Deram à causa o valor de R$ 340.000,00.
Gratuidade judiciária deferida aos autores, conforme requerido.
Citados, os réus apresentaram contestações tempestivas.
A União alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, visto que o DNIT tem personalidade jurídica própria e é o responsável pela manutenção das rodovias federais. Alegou ainda a ilegitimidade ativa dos autores quanto ao pedido de indenização por danos materiais, pela perda do veículo, sob o argumento de que legítimo seria o espólio, não os descendentes. Como prejudicial do mérito, argumentou que ocorreu a prescrição, vez que ela é de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil, tendo em vista se tratar de pedido de reparação de danos. Logo, se o acidente ocorreu em 01/03/2011 e a ação só foi ajuizada em julho de 2015, prescrita está. Sobre o pedido de pagamento de pensão, a União Federal juntou comprovante de pagamento de pensão pelo INSS aos autores e alegou que não há prejuízo a ser reparado, visto que eles já foram amparados pela autarquia previdenciária e a condenação seria um bis in idem, vez que o INSS faz parte da estrutura governamental da União Federal e seus benefícios são pagos com verbas do orçamento federal. Se deferida, a pensão deveria ser paga apenas até o autor Januário completar 18 anos, quando cessa a menoridade, tendo como limite etário para a autora Maria da Silva o dia 31/12/2024, quando o falecido completaria 54 anos de idade, que é a idade média de aposentadorias no Brasil. No mais, impossível condenar em três salários mínimos, pois o falecido também tinha despesas que cessaram com seu falecimento, devendo a condenação se limitar a um salário mínimo. Além disso, a correção da pensão deve ser feita de acordo com os mesmos índices de correção do salário mínimo ou, em outra hipótese, pelos mesmos índices de correção dos benefícios previdenciários, mas nunca pela aplicação do INPC. Por fim, a SELIC não é aplicável na correção dos atrasados, devendo incidir apenas os mesmos índices da poupança, englobando juros e correção monetária em um índice apenas.
O DNIT alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. Argumentou que a rodovia pertence à União e que é meramente um órgão executivo, que depende das diretrizes e verbas da União Federal, sendo que a existência de eventuais buracos na pista de deveu a restrições orçamentárias impostas pela outra ré. Alegou ainda a incompetência do juízo, vez que o DNIT não possui escritório em Lages/SC (local de ajuizamento da demanda), mas apenas em Florianópolis, local onde também residem os autores e onde deveria ter sido ajuizada a ação. Sobre o pedido de indenização por danos materiais, juntou o DNIT consulta formulada junto à Sul América Seguros, demonstrando que o veículo era segurado por aquela empresa e que a indenização pela perda total havia sido paga aos herdeiros poucas semanas após o ocorrido. Assim, restaria ausente a legitimidade ativa dos autores para pleitear a indenização. Defendeu que não há direito a qualquer indenização, de nenhum tipo, visto que o acidente se deu por culpa exclusiva da vítima, que trafegava com excesso de velocidade, conforme provam três multas por essa infração em rodovias federais aplicadas ao falecido no ano anterior aos fatos, bem como reportagem jornalística sobre o acidente na qual se aventava a hipótese de excesso de velocidade. No tocante aos danos morais, argumentou que eles não ficaram comprovados e que o valor é exorbitante. Reiterou ainda todos os argumentos já trazidos pela União Federal em sua contestação.
Sobre a contestação da União, em réplica, os autores alegaram que o falecido havia sido parado em uma blitz da Polícia Rodoviária Federal quinze minutos antes, mas não fora avisado das más condições da pista, razão pela qual a União Federal também é responsável pelo ocorrido, por sua omissão. Em relação à alegação de ilegitimidade ativa quanto ao pedido de indenização por danos materiais, juntaram cópia da ação de inventário já encerrada, comprovando que eram os únicos herdeiros e não restou passivo a ser pago pelo espólio. Quanto à prescrição, refutaram a aplicação do Código Civil sob o argumento de que ele somente seria aplicável a particulares. No tocante à pensão previdenciária já recebida, alegaram que ela tem natureza diversa e decorre do pagamento de contribuições previdenciárias, ao contrário da pensão pleiteada nos autos, decorrente de um ato ilícito. Afirmam não haver bis in idem no caso. Defenderam o pagamento em sua integralidade, argumentando que o falecido viajava quase o mês inteiro e a maior parte de suas despesas ocorria nas viagens, às custas da empresa onde ele trabalhava. Quanto ao limite etário, defenderam a pensão vitalícia para a esposa ou, quando menos, a pensão até quando o falecido completaria 71 anos de idade, conforme dados do IBGE sobre a expectativa de sobrevida no ano do acidente para os homens que tinham a idade do falecido quando da tragédia.
Sobre a contestação do DNIT, os autores nada falaram quanto à alegação de incompetência do juízo ou de ilegitimidade passiva. Questionaram a alegação de ilegitimidade ativa, alegando que a indenização por danos materiais pela perda do veículo não é afastada pelo fato do veículo estar segurado e do sinistro ter sido indenizado, vez que a responsabilidade do DNIT e da União é de ordem extracontratual e a da seguradora é de ordem contratual. No tocante à culpa pelo acidente, juntaram o Boletim de Ocorrência e a perícia feita no local pela própria Polícia Rodoviária Federal, a qual foi inconclusiva quanto à velocidade em que trafegava o veículo e conclusiva quanto à causa do acidente ter sido o capotamento em decorrência de queda em buraco na rodovia. Em relação aos danos morais, refutaram a alegação de ausência de provas, dizendo que os danos são presumidos nesse caso. Defenderam o valor pedido.
A MM Juíza Federal deixou as preliminares para o momento da sentença e determinou às partes que se manifestassem sobre a produção de provas, tendo os autores pedido a oitiva do Policial Rodoviário Federal Jaime de Alecar, que assim disse em audiência:
DNIT: O Sr. estava trabalhando no momento do acidente?
TESTEMUNHA: Sim. Era final de tarde, eu me lembro bem, porque a gente
estava no Posto da PRF e fomos chamados para atender à ocorrência.
DNIT: Foi o Sr. que chegou ao local primeiro?
TESTEMUNHA: Sim, fui eu. Nós chegamos lá e a vítima estava presa às
ferragens, já sem vida. O carro estava fora da estrada, com sinais de
capotamento.
DNIT: O Sr. pode dizer o que causou o acidente?
TESTEMUNHA: Aquele trecho da estrada estava muito bom, mas naquele
lugar específico havia um buraco e uma das rodas do carro estava bem amassada,
o que indicava que ele tinha caído no buraco. Não tinha outra explicação, já
que era uma reta e ainda havia luz do dia na hora do acidente. Acho que bicho
não foi, porque não vimos nenhum por lá.
DNIT: Então o Sr. não tem certeza se foi um buraco?
TESTEMUNHA: Não, porque não sou perito. Mas, outra equipe da PRF fez
uma perícia e concluiu que a culpa foi do buraco.
DNIT: É verdade que o Sr. tinha parado o mesmo veículo minutos antes
por excesso de velocidade?
TESTEMUNHA: Eu realmente parei aquele carro e me lembro bem disso,
porque o condutor tinha uma barba engraçada e eu até comentei com meu colega de
trabalho sobre aquele visual. Eu parei o carro porque achei que ele estava em
alta velocidade, isso da visão que eu tinha lá do Posto da PRF. Mas, eu não
multei, porque não tinha equipamento para aferir a velocidade. Só dei uma
advertência verbal.
DNIT: Então ele poderia estar correndo no momento do acidente e essa
ser a causa?
TESTEMUNHA: Não posso fazer essa afirmação.
DNIT: O Sr. avisou o condutor que a rodovia estava em más condições?
TESTEMUNHA: Não. A gente não tinha o costume de fazer esse aviso, até
porque a rodovia estava em boas condições. A gente já sabia daquele buraco, mas
como era um só e o resto da estrada estava boa, acabava não falando nada. Hoje,
eu penso que a gente devia ter falado. Naquela mesma semana, aconteceram mais
dois acidentes no local. Graças a Deus que ninguém ficou ferido como nesse caso
do processo.
Em sede de alegações finais, as partes reiteraram os pedidos feitos anteriormente.
É o relatório.
Decido.
* Sentença aplicada na "Prática de Sentença Cível - Turma 01" do JusTutor.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA