Felício Ventura Fortunato, brasileiro, casado, comerciante, ingressou com a ação própria, a ser corretamente identificada na sentença, com o intuito de retomar a posse decorrente da propriedade de imóvel, em face de Joana Janaína Fracasso, brasileira, viúva, pensionista.
Alega o autor que é proprietário de um lote urbano, com 350 m2 (trezentos e cinquenta metros quadrados), no Loteamento Mar Grosso, quadra 12, lote n. 24, em Laguna/SC, matriculado no 1º Cartório de Registro de Imóveis, da mesma cidade, sob nº 12.345.
Narra que o imóvel, que lhe pertencia desde 1980, foi arrematado em execução fiscal ajuizada contra si na Justiça Federal de Porto Alegre/RS. Na ocasião, pela determinação judicial, foi transferido para o arrematante, Romualdo Speck, em 13/12/1999. O arrematante vendeu o bem para Imobiliária Ave do Paraíso Ltda, em 10 de janeiro de 2001.
O autor prossegue dizendo que, em abril de 2001, tão logo reuniu toda a documentação necessária, aforou ação anulatória da arrematação, e das transferências posteriores, em face da Fazenda Nacional, Romualdo Speck, e Imobiliária Ave do Paraíso, em nome da qual estava registrado o imóvel. Os dois primeiros réus contestaram, e a Imobiliária, conquanto regularmente citada dois meses depois do despacho que determinou a citação, permaneceu silente, tornando-se revel. A demanda foi julgada procedente, e confirmada, transitando em julgado em março de 2002. A anulação foi trazida ao Registro Imobiliário em 21 de outubro do mesmo ano, cancelando-se a arrematação e seu registro, e as transferências posteriores, restituindo-se o registro da propriedade ao statu quo ante, em favor do autor. O requerente protocolou a presente demanda três anos depois desta última providência, após constatar a ocupação do imóvel pela ora ré.
Pediu justiça gratuita. Pleiteou a entrega jurisdicional imediata dos efeitos de mérito da decisão a ser proferida a final.
A Justiça Gratuita foi indeferida, e determinou-se emenda à inicial, para especificação clara do endereço residencial do autor, bem como aquele de citação da ré, e a juntada de documento indispensável à propositura da ação, além do recolhimento das custas iniciais.
Foram deferidos os pedidos de prorrogação do prazo para atendimento, em etapas, das determinações da decisão interlocutória não recorrida, o que somente se concluiu a contento em 01 de abril de 2010, exarando-se então o despacho que ordenou a citação, com as advertências do art. 285, do CPC, junto com a apreciação judicial do pedido de liminar.
Na diligência de citação, ocorrida em seguida, e que também intimava da decisão a respeito do pedido de liminar, o Oficial de Justiça certificou que, ao entregar o mandado à ré, e tomar-lhe a assinatura, foi alertado por uma cuidadora da requerida, que a acompanhava, que a mesma era portadora de doença de Alzheimer, em estágio intermediário. O meirinho anotou que a demandada, tratando-se de pessoa idosa, apresentava vocabulário limitado, certa dificuldade na fala, empobrecimento geral da linguagem, repetia a mesma pergunta várias vezes em curto espaço de tempo, dificuldade para acompanhar a conversa e aspecto desleixado.
Na contestação apresentada, arguiu-se a inépcia da petição inicial, pela ininteligibilidade de seu conteúdo, máxime porque o autor nunca teria exercido qualquer ato de posse do imóvel, que nem ao menos estava cercado ao tempo da aquisição pela requerida. Acrescentou que, pelas circunstâncias, é de se entender que o requerente e os demandados na ação anulatória, da qual a ré não tomou parte, serviram-se daquele processo para praticar ato simulado e conseguir fim proibido por lei. Sustentou que não pode sofrer os efeitos da anulação posterior da arrematação, a uma, porque não integrou a demanda anulatória e, a duas, em razão de que a anulação não gera efeitos erga omnes, nem ex tunc, e deve-se ressalvar o direito de terceiros. Argumentou também que faz jus ao reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião, porquanto adquiriu o imóvel da Imobiliária Ave do Paraíso Ltda, aos 23/05/2001, mediante contrato particular de compra e venda, em que se especificou o preço e o pagamento à vista, firmado pelos contraentes e testemunhas, tendo-se dado o reconhecimento das respectivas assinaturas todas como autênticas em Cartório. Depois, em agosto do ano seguinte, lavrou-se escritura pública, levada a registro imobiliário. Trouxe os documentos. Logo que comprou o bem, foi edificada a atual residência da demandante, de 115 m2. Pleiteou o reconhecimento da usucapião, pela sentença, e o registro da mesma junto ao cartório de registro de imóveis, nos termos do art. 13, do Estatuto da Cidade. Alternativamente, pediu o reconhecimento do direito à indenização e retenção pelas benfeitorias, no valor de R$ 88.000,00 (oitenta e oito mil reais), que se acrescentaram aos R$ 30.000,00 (trinta mil reais), pagos pelo terreno. Requereu Justiça Gratuita. Foi apresentada denunciação da lide à Imobiliária Ave do Paraíso Ltda. Juntou documentos, dentre os quais, a planta do imóvel. Na forma da lei, foi impugnado o valor de R$ 100,00 (cem reais) atribuído à causa pelo autor.
A litisdenunciada respondeu, argumentando que não pode ser responsabilizada por atos da Fazenda Nacional que originaram a situação, nada devendo indenizar. Acrescentou que teve diversas alterações de contrato social entre os anos de 2001 a 2004, em que o negócio foi assumido sucessivamente por vários sócios, com a exclusão dos anteriores a cada etapa, e também inúmeras modificações no seu quadro de pessoal.
Na réplica, o demandante rechaçou as preliminares e sustentou a aplicação do art. 219, par. 1º, do CPC, retroagindo-se os efeitos da citação à data da propositura da demanda, não se verificando, na hipótese, a aquisição da propriedade pela usucapião em nenhuma das suas modalidades. Sustenta a inviabilidade de se apresentar e reconhecer a usucapião como matéria de defesa, em razão da necessidade de citar-se não só o proprietário do bem, mas também os confinantes e, por edital, os réus em lugar incerto e os eventuais interessados, além da Fazenda Pública da União, do Estado e do Município. Acrescentou que, cancelada a arrematação e os registros posteriores, o proprietário pode reclamar o imóvel independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente, nos termos do parágrafo único do art. 1.247, do Código Civil de 2002 (não se tendo operado, entre a alegada aquisição do bem pela ré e a entrada em vigor do novo Código, nem depois, tempo suficiente para cogitar-se o instituto da usucapião). A requerida não poderia argumentar com o desconhecimento da ação anulatória, na medida em que se tratou de uma situação comum a diversos outros proprietários e ocupantes das imediações, pois abrangeu uma grande quantidade de terrenos do mesmo loteamento Mar Grosso, gerando intensa cobertura jornalística local e estadual das várias ações ajuizadas, e seus resultados idênticos ao conseguido pelo requerente (trouxe exemplares dos periódicos, com as matérias noticiosas). E também porque o cancelamento das transferências de propriedade junto ao Cartório de Registro Imobiliário, e sua restituição ao requerente, possui caráter de publicidade, contra a qual ninguém pode se opor, principalmente a ocupante do próprio imóvel. O resultado da demanda anulatória, sua ampla cobertura pela mídia impressa e televisiva, e o registro do comando da sentença no Cartório Imobiliário caracterizariam a oposição pública e notória suficiente à alegada posse. Neste caso, a posse não se poderia caracterizar como mansa, pacífica, incontestada e sem oposição, o que inviabiliza a usucapião. Por último, disse que a ré ocupa o bem não em razão de compra e venda, na verdade simulada, mas por meio de comodato verbal. Impugnou o pedido de Justiça Gratuita formulado na contestação, na medida em que os proventos da demandada atingem R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por mês.
Em audiência de conciliação foi informado o falecimento do requerente, determinando-se as providências.
Designada a audiência de instrução e julgamento, apenas a requerida juntou rol de testemunhas.
Na solenidade, apesar da presença da requerida, seu depoimento pessoal foi dispensado, em razão de seu estado de saúde. A parte autora trouxe à audiência duas testemunhas. A oitiva das mesmas foi indeferida. Houve recurso. Na sequencia, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela demandada, que anotaram que a ré mandou cercar o terreno, e iniciou os trabalhos da edificação de sua atual residência, à época da abertura da temporada de verão de 2002/2003. O representante legal da litisdenunciada nada esclareceu.
Em alegações finais, os litigantes reiteraram seus argumentos.
Com os requisitos do art. 458 do Código de Processo Civil, profira a sentença.
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SENTENÇA