Em 13/1/2006, em navio mercante de bandeira grega que ingressara no mar territorial brasileiro e se encontrava nas imediações do porto de Cabedelo, no estado da Paraíba, dois tripulantes, o chinês Chang Lee e o uruguaio Juan Sotomayor, ambos de 29 anos, protagonizaram uma briga motivada por cupidez. Em acordo pactuado entre os dois e um terceiro, o brasileiro José Manuel Braga, de 35 anos, para a divisão do dinheiro da futura venda de pólvora pertencente aos três, a qual deveria ser efetivada no município de João Pessoa-PB, seria de responsabilidade do brasileiro entregar a mercadoria e receber o dinheiro, que seria dividido posteriormente.
José Manuel, que disse aceitar qualquer divisão proposta porque conhecia o potencial de dano da briga, já que os seus conhecidos eram versados em artes marciais, não tomou materialmente parte dela, limitando-se a dizer aos outros dois que as pelejas de marinheiros deveriam ser mesmo resolvidas na violência, que ele entendia que deveria acontecer.
No curso da briga, revelou-se evidente a superioridade do chinês, que facilmente desferiu sucessivos golpes em Juan Sotomayor, tendo conseguido desvencilhar-se de muitos golpes que este tentara aplicar-lhe. Ficou evidenciado, na luta, que o chinês, ao verificar sua superioridade sobre o adversário, evitara golpear regiões corporais que oferecessem maior risco à saúde do uruguaio; assim, a maioria dos golpes foi desferida nos braços e pernas de Juan.
Durante a briga, o uruguaio se desequilibrou, o que fez com que Chang Lee cessasse a sua atividade, e, enquanto andava para trás com o fim de tomar fôlego, Juan Sotomayor escorregou em poça de água, batendo com a cabeça no chão. Juan ficou inconsciente em razão da queda, tendo sido socorrido por terceiros, que o levaram ao hospital assim que o navio aportou.
José Manuel Braga foi ao município de João Pessoa para vender a pólvora, fato que não se concretizou porque os compradores não apareceram. Entretanto, a polícia federal, que monitorava, com autorização judicial, as conversas por celular do brasileiro e se encontrava presente no local combinado, efetuou sua prisão em flagrante e a apreensão do produto que seria vendido. No dia posterior, em face de mandado judicial, também foi preso Chang Lee, ficando custodiado no hospital o uruguaio Juan Sotomayor, que, antes de a sentença ser proferida, faleceu em razão do ferimento em sua cabeça, conforme atestado de óbito acostado aos autos.
Remetido o inquérito policial à Procuradoria da República em João Pessoa-PB, os três agentes foram denunciados pelos delitos previstos no art. 12 da Lei n.o 7.170/1983, combinado com o art. 14, II, do Código Penal, no art. 129 do Código Penal e nos arts. 69 e 29, ambos do Código Penal. Consta, na denúncia, a prova de que o réu Chang Lee, em seu país de nacionalidade, fora condenado, por furto, em sentença recorrível proferida em 10/2/2004.
A denúncia foi recebida em 1.º/6/2007, tendo havido resposta escrita dos acusados, no prazo legal. Na instrução, a prova pericial comprovou o resultado morte de Juan Sotomayor — esclarecendo que as lesões ocorridas durante a luta foram leves, tendo a morte sido causada pela lesão decorrente da queda — bem como a apreensão da pólvora, e as testemunhas ouvidas em juízo comprovaram os fatos narrados na denúncia. Na fase prevista no art. 402 do Código de Processo Penal, não houve o requerimento de diligências. Nos interrogatórios, os acusados reportaram-se às declarações constantes no inquérito. Em alegações finais, o Ministério Público renovou o pedido de condenação nos termos da denúncia.
A defesa dos dois réus, realizada por representante da Defensoria Pública da União, sustentou, em alegações finais, preliminarmente: (a) nulidade do feito, por cerceamento de defesa, com base no argumento de que a carta rogatória — para oitiva de duas testemunhas de defesa — enviada à China pelo Poder Judiciário brasileiro não fora respondida; (b) incompetência da justiça federal no tocante ao processamento de José Manuel Braga, sob os argumentos de que ele não praticara nenhum delito a bordo de navio de bandeira estrangeira e de que não houvera violação a interesses, bens ou serviços federais; (c) nulidade do flagrante e do feito, sob o argumento, embasado em copiosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de ter sido o flagrante provocado.
Quanto ao mérito, a defesa alegou: (a) que não havia provas suficientes para condenação; (b) que houvera da parte de Chang Lee solução de controvérsias por meio de luta marcial, sendo tal procedimento usual na China, país de origem do réu, onde, inclusive, constitui matéria obrigatória da formação escolar básica a referente às artes marciais, assim, o sujeito estaria agindo licitamente com a prática do desafio, não podendo ser culpável por lesão corporal, tampouco pela morte de Juan Sotomayor, sobretudo com base em norma expressa no direito penal uruguaio, conforme prova juntada aos autos, que autoriza a realização do duelo como forma de exclusão da imputabilidade penal; além disso, o chinês, embora se reconhecesse proprietário da pólvora, não participara da venda do produto; (c) que José Manuel Braga não desferira qualquer golpe, tendo apenas assistido à luta, não sendo responsável, pois, pelo resultado morte ou lesão corporal; e que, no referente à pólvora, consta nos autos a sua confissão espontânea.
Os autos foram conclusos para sentença em 18/6/2009.
Com base nos fatos acima narrados e na qualidade de juiz federal substituto, elabore a referida sentença. Em seu texto, dispense a
elaboração do relatório.
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