O JusTutor destaca a íntegra do voto da Relatora Hind Ghassan, do TRF da 1ª Região, sobre a participação de pessoas com deficiência em concursos públicos. Destacamos esses importantes trechos do voto:
Não parece razoável que na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o exercício das atribuições do cargo, sendo o momento adequado para isto o Curso de Formação e posteriormente o Estágio Probatório. (...) Nem mesmo a capacidade suportar os exercícios deve ser alvo de elucidações na fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade. Assim, a fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o exercício das atribuições do cargo.
Confira abaixo a íntegra do voto:
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA
REGIÃO
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N.
0000186-77.2014.4.01.4200/RR
RELATOR(A) |
: |
DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN |
RELATORA |
: |
JUÍZA
FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.) |
APELANTE |
: |
UNIAO FEDERAL |
PROCURADOR |
: |
JOSÉ ROBERTO MACHADO FARIAS |
APELADO |
: |
HENRIQUE EVANGELISTA DIAS NETO |
DEFENSOR |
: |
DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO - DPU |
REMETENTE |
: |
JUIZO FEDERAL DA 1A VARA - RR |
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH (Relatora Convocada):
Trata-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da sentença de fls. 321/329 de lavra do MM Juiz Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, que confirmou a antecipação da tutela e julgou procedente o pedido, determinando a reinclusão do autor, Henrique Evangelista Dias Neto, nas demais etapas do concurso da Polícia Federal, Edital 1/2013, e restando aprovado, procedesse à nomeação, observada a ordem de classificação.
2. Consignou o ilustre magistrado de primeiro grau que a) o autor foi aprovado no exame de digitação; b) foi submetido a exame de aptidão física tendo sido aprovado; c) o autor é do quadro da Policia Civil do Estado de Roraima, onde exerce o cargo de agente carcerário no setor de operações e investigações; e d) o caso é uma ofensa ao princípio da isonomia e igualdade, na medida em que está sendo tolhido o direito do portador de necessidade especial de participar de curso de formação e ocupar cargo público, no caso de aprovação, em razão de sua deficiência.
3. Irresignada, apelou a União Federal sustentando às fls. 331/352 que, em síntese, o candidato anuiu com todas as regras do concurso e o acesso ao cargo público em questão exige que o candidato possua características físicas e clínicas compatíveis com o exercício da função policial.
4. Contrarrazões de fls. 355/362.
É o relatório.
Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH
Relatora Convocada
V O T O
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. CARGO ESCRIVÃO DE POLICIA FEDERAL. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. INAPTO PARA AS ATIVIDADES PROFISSIONAIS NO EXAME MÉDICO. MOMENTO PARA CONSTATAR APTIDÃO PARA AS ATIVIDADES PROFISSIONAIS É O CURSO DE FORMAÇÃO E ESTÁGIO PROBATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA.
I - Não é razoável
que na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o
exercício das atribuições do cargo, sendo o momento adequado para isto o
Curso de Formação e posteriormente o Estágio Probatório.
II (...) Precedente desta Corte Regional sobre momento
de aferição da (in)compatibilidade entre deficiência e atividade do cargo, a
ser fixado durante estágio probatório. (AC 0023067-96.2009.4.01.3400 / DF,
Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1114 de
06/10/2015)
III - Nem mesmo a capacidade suportar os exercícios deve ser alvo de elucidações na fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade.
IV - A fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o exercício das atribuições do cargo.
V Recurso de apelação e remessa oficial aos quais se nega provimento. Sentença mantida.
A Exma. Sra. Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH (Relatora Convocada):
A controvérsia da lide gira em torno da possibilidade do Apelado, Henrique Evangelista Dias Neto, participar de todas as fases do concurso para o cargo de escrivão da Policia Federal, na vaga destinada a candidatos portadores de deficiência, tendo sido declarado inapto em exame médicos.
2. Inicialmente, uma ressalva, o concurso em questão não reservava vagas para portadores de necessidades especiais, afrontando o art. 37, inciso VII da CF/88, somente após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da demanda ajuizada pelo Ministério Público Federal foi reservada 18 vagas para essa natureza.
3. O Apelado se inscreveu no concurso público para provimento de vagas no cargo de Escrivão da Policia Federal, Edital 01/2013 DGP/DPF, para as vagas destinadas a portadores de necessidades especiais, tendo sido aprovado nas provas objetivas e discursivas, sendo convocado para as demais fases do concurso: exame de aptidão física, avaliação psicológica, prova prática de digitação, exame médico. E por fim, por ser candidato à vaga de portadores de necessidades especiais, foi convocado para perícia médica.
4. Tendo sido
considerado apto em todas as fases, exceto a de exame médico, onde o Autor foi
eliminado do certame pois foi diagnosticado com sequela de lesão traumática no
2º, 3º e 5º quirodáctilos esquerdos, possuindo perda funcional significativa,
condição considerada incapacitante para o exercício das atribuições do cargo em
questão.
5. Alega o Apelante que já exerce a função de Policial Civil no Estado de Roraima, desempenhando todas as atividades inerentes ao cargo de Agente Penitenciário no setor de operações e investigações.
6. O edital que
rege o certame prevê o exame médico, com o intuito de atestar se o candidato
será considerado apto ou não apto, para ingressar no Curso de Formação
Profissional, conforme subitens abaixo transcritos:
11.2 O exame médico de caráter unicamente eliminatório, será realizado pelo CESPE/UnB e objetiva aferir se o candidato, com deficiência ou não, goza de boa saúde física e psíquica para suportar os exercícios a que será submetido durante o Curso de Formação Profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional.
7. Deve
se asseverar, que antes desta eliminação por ser considerado inapto, o
candidato já tinha sido aprovado nas fases de digitação, onde se exigiu nota
mínima no valor de 5 pontos, na fase de aptidão física, onde se submeteu aos
testes de: a) barra fixa, mínimo
exigido de três flexões; b) impulsão
horizontal, mínimo de 2,14m; d)
corrida de zoe minutos, mínimo de 2.350m; e e) natação,
8. Compulsando os autos, encontra-se juntada as fls.26 declaração emitida pelo Delegado do 1º Distrito Policial, na qual afirma:
(...) Declaro ainda que mesmo sendo Portador de Necessidades Especiais PNE, lesão no 2º, 3º e 5º dedos da mão esquerda, tal fato em nada interferre nas atribuições policiais a que é submetido, sendo que realiza com eficiência e presteza as seguintes atribuições: acompanhar a autoridade policial em diligência policiais, dirigir veículos policiais, investigações de crimes, desempenhar outras atividades de natureza policial e administrativa, executar mandados de busca e apreensão, efetuar prisões em flagrante, executar mandado de prisão, portar e manusear armas de fogo, bem como executar outras tarefas que lhe forem atribuídas,mantendo um excelente desempenho técnico e profissional, sem gerar atos que venham a colocar em risco, no desempenho do cargo, a segurança dos demais policiais do Setor de Operações deste Distrito.
9. Não parece razoável que na fase de
exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o exercício das
atribuições do cargo, sendo o momento adequado para isto o Curso de Formação e
posteriormente o Estágio Probatório. Em caso de grande similitude, assim decidiu
essa Corte Regional:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO
PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VERIFICAÇÃO DA
(IN)COMPATIBILIDADE ENTRE A DEFICIÊNCIA APRESENTADA E O EXERCÍCIO DO CARGO.
MOMENTO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. POSSE E NOMEAÇÃO. NOMEAÇÃO E POSSE TARDIA EM CARGO
PÚBLICO DECORRENTE DE ATO ADMINISTRATIVO ALTERADO JUDICIALMENTE. DIREITO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES INOCORRENTE. APELAÇÃO E
RECURSO ADESIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. I - Não há impossibilidade jurídica do pedido
ao fundamento de que o Poder Judiciário não poderia decidir questões
concernentes ao mérito administrativo, uma vez que, na hipótese de flagrante
ilegalidade envolvendo etapa de concurso público, tem-se admitido a intervenção
judicial por ofensa ao princípio da legalidade.
II - Precedente desta Corte Regional sobre momento de aferição da
(in)compatibilidade entre deficiência e atividade do cargo, a ser fixado
durante estágio probatório. III -
Perícia judicial concluindo, no caso concreto, pela capacidade do autor para
desempenhar grande maioria das atribuições de técnico em gesso. IV - A orientação jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional
assentou-se no sentido de que o candidato a cargo público, cuja nomeação tardia
decorreu de decisão judicial, não tem direito à indenização pelo tempo que
aguardou a solução definitiva do Judiciário. Nesse sentido, entre outros: STF -
RE 593373 AgR, 2ª Turma, DJe-073 PUBLIC 18-04-2011; STJ - EREsp 1117974/RS,
Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Corte Especial, DJe 19/12/2011;
e, TRF 1 - AC 2022-70.2009.4.01.4100/RO, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM
MEGUERIAN, 6ª Turma, e-DJF1 de 03/12/2012.
V. Entendimento deste Tribunal de que o titular de cargo público, cuja
investidura foi reconhecida por força de decisão judicial transitada em
julgado, não tem direito à retroação dos efeitos funcionais relativos à data da
nomeação e da posse ocorridas na esfera administrativa, porquanto somente o
efetivo exercício rende ensejo às prerrogativas funcionais inerentes ao cargo
público. Precedentes desta Corte. VI -
Apelação, recurso adesivo e remessa oficial a que se nega provimento. (AC
0023067-96.2009.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM
MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1114 de 06/10/2015)
10. Nem
mesmo a capacidade suportar os exercícios deve ser alvo de elucidações na
fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual
apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade.
11. Assim,
a fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental
do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já
ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o
exercício das atribuições do cargo.
12. Não
se trata de negar aplicação aos princípios da legalidade, isonomia e da
vinculação ao edital (art. 41 da Lei 8.666/93), mas, sim, de privilegiar os
princípios da razoabilidade, igualdade, da inclusão social e do acesso a cargos
públicos.
13. Por
fim, diante do exposto e do conjunto probatório produzido nos autos, tais como
a aprovação do candidato em todas as demais fases do certame, o fato deste já
exercer a atividade de policia a contento, conforme declaração juntada aos
autos, não merece reparos sentença de
primeiro grau.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso de apelação da União e à remessa oficial.
É como voto.
Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH
Relatora Convocada
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA