Em 10.03.2015, Marlene, deputada federal licenciada para ocupar cargo de secretária de Estado no Governo do Distrito Federal, matou, por esgorjamento, causado após utilização única do instrumento do crime, sua companheira Emilinha, com quem convivia amorosamente, sob o mesmo teto. Marlene atuou impelida pelo fato de não gostar que a vítima trabalhasse à noite em um bar, estabelecimento comercial frequentado por outros potenciais parceiros sexuais, alegando que seu lugar no lar era o de dona de casa. Marlene era bem mais forte fisicamente do que a mirrada Emilinha. O delito foi praticado em local situado na Circunscrição Judiciária de Taguatinga/DF, onde há Tribunal do Júri e também Vara de Violência Doméstica contra a Mulher. A ideia da prática do crime foi apresentada por Lupicínio, então assessor de Marlene, que sugeriu até mesmo o tipo de instrumento a ser empregado para o crime, comprando-o e entregando-o a Marlene.
Diante disso:
a) diferencie femicídio de feminicídio;
b) defina esgorjamento, bem como o tipo de ferida ou lesão que o caracteriza, apresentando exemplos de instrumentos capazes de produzi-lo;
c) faça, de forma fundamentada, o enquadramento típico que constaria em eventual denúncia da conduta de Marlene; e
d) analise, de forma fundamentada, a competência para o julgamento dos réus.
a) Não há de se confundir feminicídio, qualificadora do crime homicídio, com femicídio, indiferente penal.
Há femicídio quando a vítima do homicídio é uma mulher, sem que esta condição - o sexo - seja a razão do crime.
Lado oposto, o feminicídio consiste no homicídio de pessoa do sexo feminino exatamente por conta desta condição. Neste, o autor do crime pratica violência de gênero, menospreza, discrimina a mulher pelo simples fato de ela ser mulher.
b) O esgorjamento consiste no corte da parte frontal do pescoço. Cuida-se de lesão produzida por instrumento cortante, a exemplo de facas, canivetes, giletes, navalhas etc.
c) A conduta de Marlene se amolda ao tipo penal do art. 121, §2º, VI, c.c art. §2º-A, I, do CP.
Com efeito, é notória a incidência da qualificadora do feminicídio no crime, porquanto lastreado na violência de gênero. Ora, a agente tratava a vítima como mero objeto sobre o qual tinha poder. O fato envolveu menosprezo, discriminação à condição de mulher - razão pela qual a qualificadora em apreço é inafastável.
Banda outra, entendo não incidir as qualificadoras do motivo fútil e do meio cruel, previstas no §2º, incisos II e III, respectivamente, do art. 121.
O meio cruel resta afastado porque o resultado morte se deu após um único uso do intrumento do crime. O motivo fútil, a seu turno, já ensejou a aplicação da qualificadora do feminicídio, e, se novamente considerado, configuraria bis in idem.
No mais, não vejo outras qualificadoras a incidir frente à narrativa dos fatos.
d) A competência para o julgamento dos réus é do tribunal do júri de Taguatinga/DF.
Ora, trata-se de crime doloso contra a vida, o que impõe a competência do tribunal popular, consoante dispõe o art. 5º, XXXVIII, 'd', da CF e art. 74, §1º, do CPP. Aliás, o partícipe Lupicínio também será julgado pelo júri, tendo em vista as regras de continência (art. 77, I, do CPP).
Anote-se que por estar licenciada, Marlene não faz jus ao foro por prerrogativa de função previsto na CF aos Deputados Federais, pius se trata de garantia atrelada ao desempenho da função pública. Eventual previsão na Constituição do DF de foro privilegiado aos Secretários de Estado não terá aplicação neste caso, porquanto a competência do júri está prevista na CF e prevalece sobre as previsões exclusivas das constituições estaduais - conforme se depreende da súmula vinculante n.º 45.
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