Em que consiste a prova diabólica? Quando houver prova bilateralmente diabólica, como deve o juiz proceder? A quem cabe o ônus da prova? Justifique.
Antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, nosso ordenamento processual previa que o ônus da prova era regido pela regra estática.
O legislador do Código de 1973 tratou do tema de modo prévio e abstrato, preocupando-se, exclusivamente, com uma solução para o conflito, não se importando com o fato de como a prova seria produzida e qual a dificuldade seria enfrentada pelas partes ao exercer a atividade probatória.
Assim, de acordo com o art. 333, do CPC/1973, ao autor caberia provar o fato constitutivo e ao réu, os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor.
A teoria estática do ônus da prova garantia certa segurança, pois as partes tinham, previamente, o conhecimento sobre quais fatos deveriam atuar em termos probatórios.
Entretanto, em várias situações, as condições fáticas probatórias das partes não se amoldavam ao comando legal, gerando situações de injustiça, diante da dificuldade ou impossibilidade de obtenção do acervo probatório apto à defesa de seu direito.
Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência pátria erigiram o conceito de prova diabólica que, de modo sucinto, é entendida como aquela em que a comprovação da veracidade da alegação referente a um fato é extremamente difícil ou impossível, sendo demasiadamente oneroso ou não se encontrando nenhum meio de prova capaz de admitir tal demonstração.
Outra situação em que nos deparamos com a prova diabólica é quando há necessidade de provar fato negativo, ou seja, demonstrar que algo não ocorreu ou que certa pessoa não esteve em determinado lugar.
Nesse exemplo, a parte não conseguiria provar o fato negativo, pois para ela a prova seria unilateralmente diabólica, por não possuir ou não ter acesso a documentos, informações e registros que corroborassem para a comprovação de determinada situação que, quiçá, a outra parte tivesse.
Em casos de necessidade de comprovação de fato negativo, o professor Fredie Didier e uma parte dos doutrinadores suscitavam a tese de que não haveria impossibilidade de produção probatória, pois caberia ao juiz determinar a inversão do ônus da prova, mesmo ausente tal previsão no códex processual civil revogado.
É diante da prova bilateralmente diabólica que a situação aufere contornos de maior dificuldade. Nesse caso, seria descomedidamente injusto inverter o ônus da prova, pois qualquer das partes não estaria apta a comprovar a “veracidade” daquilo que alega.
A teoria estática da prova começou a ser mitigada com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, que trouxe para os litígios consumeristas a teoria da inversão judicial do ônus da prova. Presente no art. 6º, inciso VIII, do referido diploma, preconiza que o juiz deveria inverter o ônus da prova do fato constitutivo, caso fosse demonstrada a verossimilhança das alegações do autor e/ou a sua hipossuficiência.
Com advento do atual CPC há a previsão expressa de dinamização da regra estática, antes adotada, possibilitando adequar o procedimento de colheita de provas aos demais fundamentos processuais. A previsão consta do art. 373 do NCPC.
Pela leitura do dispositivo supracitado, há efetiva consagração da teoria da dinamização dos encargos probatórios no atual CPC, encontrando-se também requisitos à utilização da técnica.
Preliminarmente, do ponto de vista processual, tem-se dois requisitos essenciais: a) necessidade de decisão fundamentada do juiz e b) oportunidade à parte de se se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Nesse contexto, da redação do art. 357, III, do CPC/2015 temos que a dinamização deve ser feita na decisão de saneamento e de organização do processo, entretanto, pode acontecer que tal alteração ocorra apenas em momento posterior. Mas deve ser sempre garantida a possibilidade de a parte poder atuar de forma a se desincumbir desse ônus.
Por fim, vale mencionar que a dinamização opera sobre fatos específicos. Ao aplicar a teoria dinâmica da prova, o juiz deve indicar quais provas serão atingidas pela modificação dos encargos probatórios.
Lari! Adorei a sua resposta. Achei interessantíssimo começar pelo histórico CPC/73. A única coisa que não ficou muito clara foi a solução para a prova duplamente diabólica - a quem caberia o ônus. Entendi que você entende inviável a inversão do ônus neste caso, mas e qual seria a solução. Então seria o caso de aplicar a regra estática?
Pesquisando sobre o tema, achei interessante a posição de que o ônus dependerá de quem assumiu o risco da “inesclarecibilidade”, independentemente de ter o ônus pela teoria estática ou de haver a sua inversão. Até porque, deve analisar o caso concreto para verificar para quem seria mais razoável atribuir o ônus. Achei bem interessante esse artigo que explica tudo isso: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2804
Pontos interessantes para acrescentar a sua resposta:
-O estudo da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, inaugurada na Argentina, deriva da necessidade de reduzir o anacronismo entre os textos legais e a respectiva dinamicidade da realidade. Assim, para essa teoria atribuindo-se o encargo da prova a quem efetivamente tenha condições práticas de dele desincumbir-se.
-problema da prova duplamente diabólica – algumas premissas:
A inversão do ônus da prova somente é admissível se a parte que originariamente não possuía o ônus da prova tenha a possibilidade de produzi-la, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus. (MARINONI, 2006, p. 276).
Verificar qual das partes assumiu o ‘risco de inesclarecibilidade’, submetendo-se à possibilidade de uma decisão desfavorável. Se o autor, aplica-se a regra da prova do fato constitutivo; se o réu, inverte o ônus. (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2008, p. 88).
A solução mais razoável para as provas duplamente diabólicas é aquela em que o juiz atribua o ônus a quem assumiu o risco da “inesclarecibilidade”, mas desde que respeitado o contraditório, especialmente quando tal risco da “inesclarecibilidade” foi assumido por quem, segundo a regra geral (teoria estática), não teria o ônus da prova.
...A questão está bem articulada e citando além da doutrina os dispositivos legais do CPC e CDC.
Também, analiticamente explica o conceito de prova diabólica de modo bem didático, bem como responde a todos os questionamentos do examinador.
Não compreendi ao certo o que significa a dinamização da regra estática, e no geral o último parágrafo. Talvez se falasse de dinamização do ônus da prova ficasse melhor explicado, e o examinador já inicia com muita má vontade e comparando as respostas com um espelho já definido.
Talvez ficasse melhor compreensível explicar a teoria da dinamização do ônus da prova (distribuição dinâmica do ônus da prova). Não sei se foi nesse sentido a menção à dinamização da regra estática. "Segundo essa teoria, o ônus da prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, diante das circunstâncias fáticas presentes no caso concreto, flexibilizando-se, sensivelmente, o sistema estático e abstratamente consagrado secularmente em nosso ordenamento.
O sistema estático e abstrato foi mantido pelo legislador, como se observa do art. 373 em seus incisos, contudo, no §1º prevê a possibilidade de aplicação de tal teoria pelo juiz no caso concreto, diante de peculiaridades da causa relacionadas à (i) impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou (ii) à maior facilitação da prova do fato contrário, desde que em (iii) decisão fundamentada e (iv) respeitando-se o contraditório.
Perceba-se que a dinamização do ônus da prova pelo juiz é excepcional, dependendo do reconhecimento dos quatro pressupostos do art. 373 §1º CPC/15. O CDC também traz previsão de dinamização do ônus da prova por decisão judicial (ope iudicis), contudo sempre para favorecer o consumidor (art. 6º, VIII do CDC), porém a dinamização prevista no art. 373 §1º do CPC/15 não faz tal distinção, ou seja, pode ser para o autor ou para o réu." (Processo Civil Sistematizado. Haroldo Lourenço. Editora Método. 2017)
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
4 de Abril de 2018 às 18:15 Romildson Farias Uchoa disse: 0
...Complementando o comentário o parágrafo 2º do artigo 373 do NCPC dispõe que a decisão de redistribuição do ônus da prova NÃO pode gerar "situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil, sendo o caso da prova diabólica para ambos os lados da demanda. E então o juiz deve assim decidir com base nas outras provas eventualmente produzidas, nas regras da experiência e nas presunções.
Sobre o atual sistema brasileiro é atualmente misto pois poderá ser aplicado o sistema estático e o sistema dinâmico de distribuição do ônus da prova ( que foi de todo modo historiado desde o CPC de 73 na resposta).