Em 18.03.2013, com lastro em inquérito policial, JOSÉ, brasileiro, solteiro, natural do Rio Grande do Norte, Sargento da Polícia Militar de SC, lotado no 4º Batalhão de Polícia Militar de Florianópolis, foi denunciado pelo órgão do Ministério Público da Comarca de Joinville porque, segundo narra a inicial penal, no dia 20 de setembro de 2012, por volta das 23 horas, no interior da residência de PEDRO, situada na rua Progresso, bairro Floresta, em Joinville, manteve conjunção carnal consentida com MARIA, nascida em 10.09.2001. PEDRO havia concordado em hospedar o amigo JOSÉ em sua residência. Logo após a relação sexual, PEDRO chegou em casa e surpreendeu JOSÉ e MARIA, iniciando-se então uma acalorada discussão. Em dado momento, JOSÉ atirou um copo contra o rosto de PEDRO, causando vários cortes por toda a sua face.
Consta do inquérito policial, além de outros elementos cognitivos, auto de exame de corpo de delito em face de PEDRO, que atestou a existência de ofensa a sua integridade física, registrando, ainda, que a lesão corporal não resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias; que não houve perigo de vida, debilidade permanente ou incapacidade para o trabalho, assim como enfermidade incurável. Consignou, quanto ao quesito relacionado à deformidade permanente, que a resposta exigiria avaliação complementar. A seu tempo, o referido laudo pericial complementar, instruído com fotografias, foi juntado aos autos, atestando que PEDRO apresentava notável desfiguração da face, demonstrando prejuízo estético visível, pontuando, no entanto, ser passível de correção através de cirurgia reparadora.
Encerrada a instrução em 24.07.2013, durante a qual foram colhidas as declarações da vítima MARIA, ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes, interrogado o acusado e juntados laudos médicos, restou apurado que os fatos ocorreram da forma narrada na denúncia e, ainda, que:
a) em razão da relação sexual narrada na denúncia, MARIA foi contaminada por blenorragia (DST), transmitida no ato sexual praticado com JOSÉ, que sabia ser portador da enfermidade;
b) MARIA é estudante e vive com seus pais, mas consentiu com a relação sexual pela amizade que mantinha com JOSÉ, amigo da família;
c) JOSÉ informou que, há 3 (três) meses, também na residência de PEDRO, mediante ameaças de morte, havia constrangido APARECIDA, com 23 anos de idade, a com ele praticar sexo oral;
d) foi juntado aos autos cópia do inquérito policial que apura o fato envolvendo APARECIDA;
e) durante as suas declarações em juízo, MARIA apresentou ao Juiz uma carta subscrita por JOSÉ, na qual implora pelo seu perdão, pedindo ainda que não lhe prejudique. Afirmou também que JOSÉ manteve contato com seus pais, prometendo-lhes recompensa em dinheiro caso conseguissem convencer a filha a não incriminá-lo;
f) no dia dos fatos narrados na denúncia, JOSÉ estava escalado para, sozinho, fazer o policiamento ostensivo na rua Bocaiúva, Florianópolis. No entanto, sem qualquer comunicação, deixou o local do serviço quatro horas antes do seu término, deslocando-se com seu carro particular até a residência de PEDRO, onde se encontrou com MARIA e, em seguida, manteve a relação sexual noticiada. Durante a sua ausência, no entanto, não houve nenhuma ocorrência policial no local onde deveria executar o policiamento;
g) no final de junho de 2013, PEDRO acabou por se submeter a uma cirurgia na Clínica NOVO VISUAL, em Florianópolis, a fim de corrigir o dano estético causado pela lesão sofrida. Logo após a realização do procedimento anestésico, realizado pelo próprio cirurgião plástico, PEDRO acabou falecendo em função de choque anafilático provocado por reação alérgica, de hipersensibilidade imediata e severa, ao medicamento injetado. Não foram exigidos exames laboratoriais prévios do paciente. O laudo necroscópico, comprovando a referida causa mortis, foi encaminhado pelo Instituto Geral de Perícias, sendo também juntado aos autos.
Neste contexto, uma vez encerrada a instrução, indique a(s) medida(s) a ser(em) adotada(s) pelo membro do Ministério Público que oficia na respectiva ação penal, apontando os dispositivos legais correspondentes (desnecessária a elaboração de peças processuais); e enfrente todas as situações noticiadas e, a cada resposta, apresente as razões de fato e de direito que lhe conferem suporte, apontando também os artigos da lei penal e processual penal aplicáveis.
O Ministério Público deverá requerer o aditamento da inicial acusatória, nos moldes do art. 384, caput, do CPP, tendo em vista os fatos apurados durante a instrução.
Assim, com relação a Maria, a conduta praticada se amolda ao delito de estupro de vulnerável do art. 217-A, do CP, uma vez que, embora a relação tenha sido consentida, a lei presume a vulnerabilidade de pessoa menor de 14 anos, de modo que o seu consentimento não é valido, assim como eventual vida sexual pretérita da vítima não é óbice a configuração deste tipo penal. Por sua vez, com relação a transmissão da DST à vítima Maria, deve haver o aditamento da denúncia para inclusão da causa de aumento de pena disposta no artigo 234-A, inciso IV, cujo acréscimo é de 1/6 até 1/2, haja vista que José transmitiu a doença sabendo ser portador.
No que concerne a Pedro, deve ser feito o aditamento da denúncia para capitular a conduta do artigo 129, par 2°, inciso IV, do CP, pois a lesão provocada é de natureza gravíssima, por conta da deformidade permanente. Vale anotar que eventual cirurgia estética reparadora, conforme já sedimentado na jurisprudência, não tem o condão de desclassificar a lesão corporal, pois o fato criminoso é aferido no momento de sua consumação de maneira que eventuais providencias posteriores ainda mais sendo ao critério exclusivo da vítima, não mitiga o desvalor da conduta para desclassificação do delito.
No que tange à vítima Aparecida, trata-se do delito do artigo 213 do Código Penal, consistente na pratica de estupro com violência real. Deste modo, em que pese antes da Lei 13.718/18 a ação penal ser, em regra, condicionada à representação para crimes contra a dignidade sexual, no tocante ao crime de estupro com violência real, a jurisprudência do STF era no sentido de que a ação penal era pública incondicionada, consoante súmula 608 do STF. Desta maneira, deve o Ministério Publico imputar ao acusado a conduta do art. 213 do CP, independentemente de eventual representação da vítima Aparecida, tendo em vista as ameaças de morte preferidas contra esta para constrange-la a praticar ato sexual.
Por fim, a conduta do acusado José ao abandonar a ronda ostensiva, na qualidade de policial militar, para a prática das condutas acima descritos, configura o crime de abandono de posto do art. 195 do CMP, crime próprio de militar, embora haja dispositivo similar no art. 323, do CP, de modo que a Justiça Penal militar é competente para julga-lo, aplicando-se a súmula 90 do STJ ao caso, que diz ser da competência da Justiça castrense o julgamento de policial militar pela pratica do crime militar e a comum pela pratica do crime comum simultâneo àquele. Assim, deve o Ministério Publico requerer o envio de elementos informativos a Justiça Militar.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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