Sentença
Justiça Estadual
TJ/PR - Concurso para Juiz de Direito Substituto - 2018
Sentença Cível

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Enunciado Nº 003901

O prefeito do município de Pasárgada, João da Silva, durante seu último mandato — segunda gestão, ocorrida nos anos de 2009 a 2012 —, tornou pública, em 1.º/1/2012, a abertura de processo licitatório, na modalidade tomada de preço, do tipo menor preço, para a construção de uma estrada rural com a extensão de 30 km, com o objetivo de ligar o centro da cidade à área rural de Pompeia. Entre os itens previstos no edital de licitação, constava a obrigatoriedade de o contratado possuir sede no município e estar constituído por mais de 20 anos. Homologada a licitação, sagrou-se vencedora a empresa Vulcan Construções Ltda., que firmou o contrato público no valor de R$ 1.000.000, tendo se comprometido a dar início às obras em 1.º/3/2012.

Durante a execução das obras, tomou-se conhecimento, por meio de denúncia dos próprios munícipes, de que o sócio administrador da empresa Vulcan Construções Ltda., Lucius Petrus Mérvio, era irmão do secretário de obras do município, César Túlio Mérvio, que até mesmo integrou a comissão de licitação. Foi descoberto, ainda, que a realização da obra pública visava beneficiar o prefeito de Pasárgada, visto que a estrada que estava sendo construída chegaria diretamente a uma de suas fazendas.

Nesse cenário, foi aberto, pelo Ministério Público local, um inquérito civil em razão das denúncias recebidas, tendo sido constados indícios de irregularidade na licitação. Assim, o parquet propôs a consequente ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

A referida ação foi proposta em 1.º/7/2017 em desfavor de João da Silva, César Túlio Mérvio, Lucius Petrus Mérvio, Vulcan Construções Ltda. e Antônio Gomes, procurador do município, e continha os seguintes pedidos:

i) a decretação, por medida liminar, da indisponibilidade de bens dos requeridos, solidariamente, com o objetivo de assegurar a reparação de eventual dano aos cofres públicos, no caso de futura condenação;

ii) a declaração da nulidade do processo de licitação de tomada de preços e de todos os atos dele decorrentes, tais como: os contratos, as ordens de pagamento e os próprios pagamentos;

iii) a condenação dos requeridos, solidariamente, à devolução do valor pago indevidamente pelo município de Pasárgada e ao ressarcimento dos demais prejuízos causados ao erário, acrescidos de correção monetária e juros legais;

iv) a condenação dos requeridos, com base no art. 10, inciso VIII, às sanções previstas no art. 12, inciso II, ambos da Lei n.º 8.429/1992;

v) a condenação dos requeridos ao pagamento de danos morais coletivos.

Foi deferido o pedido liminar, que determinou a indisponibilidade dos bens, ante a presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Na mesma decisão, foi determinada a notificação dos requeridos para apresentar manifestação acerca da petição inicial antes do seu recebimento, nos termos do art. 17, §7.º da Lei n.º 8.429/1992.

Todos os requeridos apresentaram defesa, refutando as alegações do Ministério Público local.

Posteriormente, sobreveio decisão interlocutória, que recebeu a inicial e determinou a notificação do município de Pasárgada para integrar a lide, com fundamento no art. 17, §3.º da Lei n.º 8.429/1992, e a citação dos requeridos.

Apesar de devidamente notificado, o município de Pasárgada manteve-se inerte.

Em sede de contestação, especificamente, o prefeito à época dos fatos, João da Silva, alegou preliminar de ilegitimidade passiva, com base no argumento de que, por ser ele agente político, não estaria sujeito à Lei de Improbidade Administrativa. Afirmou, ainda, a ocorrência da prescrição. Quanto ao mérito, asseverou que não teve interesse em ser privilegiado com a construção de uma estrada rural que dava à sua fazenda, porque, na realidade, a construção atendia aos interesses do município. Aduziu que não tinha conhecimento do vínculo de parentesco entre o sócio da empresa vencedora da licitação e o secretário de obras. Asseverou a inexistência de dolo ou de erro grosseiro, que justificasse a sua responsabilização, de acordo com o art. 22 e o art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Por sua vez, o secretário de obras, César Túlio Mérvio, aduziu que fora escolhido pelo procurador do município para integrar a comissão de licitação e que era do procurador a obrigação de analisar o vínculo de parentesco dele com o sócio da empresa vencedora. Alegou, ainda, que não teve intenção de privilegiar seu irmão, proprietário da empresa, porque o procedimento licitatório havia sido legal e que todos os requisitos necessários foram observados.

Já Antônio Gomes, o procurador do município, afirmou que a praxe da municipalidade era a de que os contratos de licitação fossem geridos pelo prefeito municipal e que cabia ao procurador somente a análise dos requisitos da licitação para garantir a lisura do certame. Assim, seu parecer jurídico, por ser meramente opinativo, não lhe geraria responsabilização. Aduziu que, ao emitir o referido parecer, não havia identificado nenhuma irregularidade, até porque os fatos foram descobertos quando já tinha sido dado início às obras.

Lucius Petrus Mérvio e sua empresa Vulcan Construções Ltda. alegaram, em preliminar, a ilegitimidade passiva, mormente porque não se enquadrariam na categoria de agentes públicos e, por esse motivo, não estariam sujeitos à disciplina da Lei de Improbidade Administrativa. No mérito, aduziram que Lucius não tinha relação próxima com o secretário de obras, ainda que fossem irmãos, e que, por isso, não havia nenhum vício na licitação. Afirmaram, ainda, que não tinham conhecimento de que a estrada rural beneficiaria o prefeito à época.

Assim, com os fundamentos apresentados, os réus requereram a improcedência dos pedidos deduzidos na ação proposta pelo Ministério Público local.

Na decisão de saneamento do processo, foi deferida a produção de prova testemunhal requerida pelo Ministério Público e pelos réus. Na audiência de instrução e julgamento, foram arroladas e ouvidas as seguintes testemunhas.

Pelo Ministério Público:

• Jacinta de Souza – técnica administrativa da prefeitura, disse que, na prefeitura, todos sabiam da intenção do prefeito de construir uma estrada rural que chegasse à fazenda dele e que ele até tinha feito várias exigências ao secretário de obras de como deveria ser a obra. E, por isso, concluiu a servidora, o secretário de obras achou melhor direcionar a licitação para a empresa do seu irmão, porque, assim, conseguiria cumprir as determinações feitas pelo prefeito.

• Orfeu da Costa – servidor da procuradoria local, afirmou o mesmo que Jacinta de Souza e acrescentou que Antônio Gomes não fazia parte do esquema fraudulento, porque apenas elaborou um parecer jurídico opinativo. Afirmou, ainda, que Antônio sequer sabia da relação de parentesco entre o sócio da empresa vencedora e o secretário de obras.

Por João da Silva, então prefeito do município de Pasárgada:

• Cleusa Castro da Silva – esposa do prefeito, disse que seu marido é um ótimo gestor municipal e que nunca faria algo ilícito porque é um homem correto. Afirmou que vão à fazenda somente aos fins de semana e que nem precisariam da estrada rural que iria ser construída porque, com a caminhonete, conseguiriam transitar tranquilamente pela estrada de chão.

Pelos demais réus, não foram arroladas testemunhas.

Ao final da instrução processual, foi procedida a oitiva dos requeridos, que refutaram as alegações do Ministério Público.

As partes apresentaram alegações finais, oportunidade em que o Ministério Público requereu a absolvição do réu Antônio Gomes e a condenação dos demais requeridos às sanções descritas na inicial. Os réus, por sua vez, pleitearam a absolvição.

Os autos foram conclusos para sentença.

Considerando os fatos relatados anteriormente, redija sentença cível, dando solução ao caso. Analise toda a matéria de direito processual e material pertinente ao julgamento, fundamentando suas explanações. Dispense o relatório e não acrescente fatos novos.

Resposta Nº 006839 por Otávio Augusto Mantovani Silva


Relatório dispensando passo à fundamentação.

I – Das Preliminares

Todas as preliminares alegadas pelos réus não merecerem prosperar pelos seguintes motivos.

Quanto à ilegitimidade passiva, ela foi alegada pelo réu João da Silva, Lucas Pétrus e a empresa Vulcan, todos afirmando que não poderiam ser parte passiva no processo.

O primeiro deles sustentou ser agente político e por isso não sujeito à responsabilização por improbidade. Ora, de acordo com a definição do art. 2º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/92 – LIA), “reputa-se agente público, para os fins desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, POR ELEIÇÃO (…), MANDATO, cargo ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Ou seja, não há que sustentar ilegitimidade deste agente pelo simples fato de ser Prefeito Municipal. Ademais, em nosso ordenamento jurídico, é pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias que, com exceção do Presidente da República, todos os demais agentes políticos estão sujeitos à responsabilização nos termos da LIA. No caso de João da Silva, poderá ele ser responsabilizado tanto no âmbito da Improbidade quanto dos crimes de responsabilidades cometidos na sua gestão.

Ademais, quanto à Lucas Pétrus e a Empresa Vulcan, também não merece prosperar alegação de ilegitimidade, na medida em que nos termos do art. 3º, também são aplicáveis as disposições desta lei ao agente que mesmo não sendo agente público se beneficia ou concorre para a prática do ato ímprobo, ou de alguma forma dele se beneficia, como é o presente caso.

Da mesma forma não merece prosperar a prejudicial de mérito da Prescrição alegada pelo Réu João da Silva. Observa-se que nos termos do art. 23, I, a prescrição das ações destinadas a levar efetivamente à ocorrência das sanções previstas nesta lei específica somente ocorreram no prazo de 05 anos após o término do exercício do mandato. No caso em tela, terminado o mandato do prefeito em 31/12/2012, ao menos até 31/12/17 poderia ser proposta a ação quanto a estes fatos. Ademais, deve-se reforçar que posicionamento jurisprudencial mais recente é no sentido de que ações de improbidade que visem o ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade são imprescritíveis.

Isto posto REJEITO as Preliminares e Prejudiciais alegadas pelas partes rés.

II – Do mérito

Quanto ao mérito a presente demanda trata de um caso que busca a pretensão de responsabilização de determinados sujeitos por terem ferido à moralidade administrativa e diretamente terem afetado o interesse público, lesando diretamente os princípios e bens jurídicos previstos no art. 37 da CF/88, incorrendo em atos de Improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8429/92), e descumpriram toda a principiologia descrita na Lei 8.666/93 quanto ao procedimento licitatório.

O objeto do contrato licitatório foi a construção de uma estrada, que conforme demonstrou nos autos, evidentemente não visava atender aos interesses da Administração, e sim apenas aqueles interesses do Prefeito Municipal, que almejava uma estrada passando na porta de sua propriedade.

Observa-se que, por exemplo, a exigência de que a empresa estivesse sediada na cidade, bem como o fato de se ter contratado empresa da qual o irmão do secretário de obras era irmão frustrou a expectativa de concorrência justa entre todos eventuais licitantes interessados.

Reforça-se também que restou evidenciado no caso concreto o dano ao erário pela frustração a licitude do processo licitatório, na medida em que a Administração Pública pagou 1.000.000,00 de reais à empresa para execução de uma obra, cuja finalidade era evidentemente escusa.

Passando à análise da responsabilização de cada um dos agentes, quanto ao réu João da Silva, ex-prefeito do Município de Pasárgada, todos os documentos e depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo confirmaram a intenção do prefeito de se beneficiar com a construção da estrada, sendo incontroverso seu dolo específico de se beneficiar com o ato público. Ademais, mesmo que sustentasse eventual culpa, ou não ação com erro grosseiro, estas não poderiam livrá-lo da responsabilização, na medida em que não houve prova suficiente da sua ignorância ou de eventuais obstáculos à sua deliberação quanto à licitação. Além disso, se não por dolo, ao menos em culpa o ex-prefeito agiu, motivo pelo qual é procedente sua responsabilização.

No que diz respeito à César Túlio, Lucas Pétrus e a Vulcan LTDA, restou demonstrado pelas provas dos autos que todos concorreram diretamente e dolosamente para a prática do ato de improbidade administrativa, envolvendo-se ou beneficiando-se com tais atos. Impossível a defesa da tese do réu Lucas e César Túlio, que embora sejam irmãos, não se comunicavam e por isso não tinham proximidade e dessa forma não macularam a licitação. Oras, além de não haver provas nos autos sobre essa não proximidade, chega a ser absurdo desprezar evidente parcialidade no processo licitatório, para favorecer o irmão. Reforça-se que no depoimento de umas das testemunhas (Jacinta), houve a confirmação do direcionamento da licitação para a empresa do irmão do Secretário de obras, sob a desculpa de assim se cumprir melhor as vontades do prefeito. Além disso, no caso da empresa Vulcan LTDA, sendo Lucas Pétrus seu sócio administrador, evidentemente se beneficiou de seus atos e também deve ser responsabilizada.

Assim João da Silva, Lucas, Célio e Vulcan LTDA devem ser responsabilizados também pelo dano ao erário cometido, com todos eles agindo dolosamente para a prática do ato de improbidade.

Quanto ao réu Antônio Gomes, embora sustentado que era praxe que os contratos administrativos fossem geridos pelo prefeito, e os depoimentos prestados pelas testemunhas sejam no sentido de que ele não sabia do parentesco e que elaborou o parecer apenas no sentido opinativo, deve ser também responsabilizado, na medida em que agiu em evidente culpa ou erro grosseiro (art. 28 da LINDB) ao aprovar edital de licitações com exigências que eram evidentemente absurdas (20 anos de sede no município), mesmo que não soubesse ser um dos membros da comissão de licitação irmão da empresa vencedora. Assim, deve também ele ser condenado.

Por fim, quanto ao pedido do nobre Parquet dos requeridos ao pagamento de danos morais coletivos não deve prosperar. Embora o MP tenha argumentado quanto à ocorrência destes danos, não houve nos autos prova alguma quanto a ocorrência destes, motivo pelo qual não cabe a este juízo deliberar acerca destes danos. Sem a prova do efetivo abalo social e coletivo não há que se falar em responsabilização por tais danos.

III – Dispositivo.

Ante o Exposto, com fundamento no art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO Parcialmente Procedente a demanda para:

1) Declarar a nulidade do processo de licitação e todos os atos dele decorrentes, como contratos, ordens de pagamentos e pagamentos, com a ressalva daqueles referentes a serviços efetivamente prestados.

2) Condeno os réus JOÃO DA SILVA, CÉSAR TÚLIO MÉRVIO, ANTONIO GOMES, LUCIUS PETRUS MÉRVIO e VULCAN CONSTRUÇÕES LTDA pela prática do ato de improbidade administrativa nos termos do art. 10, inciso VIII às sanções previstas no art. 12, II da Lei 8429/92;

3) Julgo improcedente o pedido de condenação dos réus ao pagamento de danos morais coletivos.

4) Confirmo a medida liminar concedida para indisponibilidade dos bens dos requeridos, solidariamente, com objetivo de se assegurar a reparação do dano causado aos cofres públicos.

IV – Das Penalidades.

Quanto às penalidades, elas devem ser aplicadas respeitando-se os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, e parâmetros fixados no art. 12, II da LIA.

Nesse sentido, condeno todos os réus ao ressarcimento integral do dano causado aos cofres públicos, ficando todos responsáveis de modo solidário pelo pagamento da referida sanção. Não constando nos autos qualquer prova quanto à acresção ilícita de patrimônio aos agentes, bem como não sendo eles detentores de função pública, deixo de aplicar estas sanções.

Quanto à suspensão dos direitos políticos, sendo o ex-prefeito político que se beneficiou de seu cargo para alcançar benefício próprio, e provado evidente desvio de finalidade em sua gestão, aplico-lhe a pena de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 anos, após o trânsito em julgado da condenação (nos termos do art. 20 da LIA).

Quanto à multa civil esta deverá ser de 1 vez o valor do dano causado para o Procurador Antônio, que agiu com erro grosseiro, e de 2 vezes para os demais envolvidos que evidentemente agiram dolosamente em suas ações.

Condeno por fim a empresa Vulcan LTDA e seu sócio-administrador à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais pelo prazo de 5 anos.

Ante a sucumbência recíproca, mas mínima do MP, condeno os réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais no valor de 90%. Em relação ao MP, nos termos do art. 18 da Lei de Ação Civil Pública, não deverá ser condenado às custas e demais despesas processuais. Pelos mesmos motivos não haverá condenação à honorários advocatícios.

Local, Data,

Juiz de Direito.

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