“(...) constitui um obstáculo a contradição inevitável entre o formalismo abstrato da lógica jurídica e a necessidade de cumprir postulados materiais por meio do direito, pois o formalismo jurídico específico, ao fazer funcionar o aparato jurídico como uma máquina tecnicamente racional, concede ao interessado individual no direito o máximo relativo de margem para sua liberdade de ação e, particularmente, para o cálculo racional da consequências e possibilidades jurídicas de suas ações referentes a fins.”
(WEBER, Max. Economia e sociedade. Editora Universidade de Brasília, Imprensa oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 101)
Considerando o texto acima:
a) explique a distinção, proposta pelo autor da fonte, entre direito racional formal e direito racional material;
b) aplique esses conceitos para justificar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (recurso especial 1.337.989- SP) que, invocando a necessidade de preservação da empresa, mitigou os requisitos do art. 58, § 1o da Lei no 11.101/2005, relativamente ao quórum para aprovação do plano de recuperação, sob o pressuposto de que “deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização”.
Os estudiosos de Weber costumam associar a racionalidade do direito a uma maior previsibilidade ou calculabilidade do direito. Ainda que Weber não defina expressamente direito racional material e direito racional formal, a partir de sua descrição de ambos, é possível perceber que a formalidade está relacionada ao grau de autonomia do direito em relação a outras esferas de valor. Assim, quando os critérios decisórios são uma consequência da aplicação direta de normas produzidas pelo próprio sistema jurídico, o direito está mais próximo do tipo ideal de direito racional formal. Quando, por outro lado, os critérios decisórios fazem referência a elementos externos ao sistema jurídico, o direito está mais próximo de uma racionalidade material.
O direito moderno é, para Weber, um direito preponderantemente racional formal, em que prevalecem pretensões de autonomia e coerência interna do direito. Não obstante, Weber identifica a existência de tensões e a possibilidade de que elementos mais associados ao direito racional material emerjam a partir de postulados de ética, moral, justiça substantiva, eficiência, entre outros.
No direito brasileiro, é excepcional a possibilidade de cram-down (art. 58, § 1º, Lei 11.101/2005). Tal possibilidade se submete a critérios claros e previamente definidos em lei, impedindo, a princípio, que o juiz recorra a fundamentos extrajurídicos como forma de conceder a recuperação judicial. Desse modo, há a preponderância de um modelo de direito racional formal.
Contudo, a decisão do STJ no REsp 1.337.989, mitiga os requisitos previstos na legislação, fazendo referência à sensibilidade do magistrado e à necessidade de preservação da empresa – elementos extrajurídicos que são considerados no processo de decisão. Conquanto a preservação da empresa esteja referida no art. 47, Lei 11.101/2005, ela representa uma abertura na disciplina da recuperação judicial para elementos externos ao direito. Trata-se, portanto, de um indicativo de que, apesar de o direito brasileiro ser preponderantemente racional formal – notadamente no dispositivo relativo ao “cram-down” – há espaço para soluções que consideram elementos extrajurídicos (sensibilidade e preservação da empresa), preponderantemente racionais materiais, o que justifica a decisão do STJ.
Neste sentido, a aplicação da legislação pode ser flexibilizada, segundo Weber, quando observados os efeitos materiais daquela norma, quando se observa um interesse geral na flexibilização, que, no caso concreto, deu-se pela opção de preservar a função social da própria empresa, os empregos gerados e a sua atuação social.
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