Z, pessoa física, celebrou com B, construtora, um compromisso de venda e compra de um imóvel (apartamento) a ser edificado por esta última. O instrumento, dentre várias obrigações, previu: a) prazo certo para a entrega da unida de, prorrogável por mais cento e oitenta dias, admitida, ainda, nova dilação a critério de B, se necessária ao término da obra; b) que as despesas alusivas à comissão de corretagem e as da taxa SATI seriam de responsabilidade de Z, pagas (por meio de cheques distintos), respectivamente, a D, pessoa física (corretor de imóveis) e E, pessoa jurídica, ambos indicados por B; c) o estabelecimento de multa para a hipótese de Z descumprir qualquer das cláusulas do contrato; d) que Z deveria honrar as despesas condominiais (independentemente de receber a posse da coisa) após o pagamento das parcelas previstas até o financiamento da construção; e) que, vencidas tais prestações, haveria a incidência de juros remuneratórios sobre o saldo devedor pendente até a obtenção do financiamento.
Chegada a data para a entrega das chaves, B comunicou a Z que a conclusão da edificação seria prorrogada por mais cento e oitenta (180) dias, conforme cláusula prevista no contrato assinado, bem como que Z deveria pagar, a partir de agora, as despesas condominiais e os encargos (juros remuneratórios) até se concretizar o financiamento do saldo devedor. Z não aceitou as explicações feitas por B e notificou-a extrajudicialmente sobre a invalidade das cobranças impostas, solicitando a imediata entrega da posse juntamente com o "habite-se", o que sequer restou comentado por B.
Considerando-se os fatos narrados, Z moveu ação em face de B à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor. Afirmou que a corretagem e a taxa SATI eram indevidas porquanto abusiva a sua cobrança, pleiteando sua devolução em dobro. Além disso, com base no mesmo fundamento, requereu a invalidação da cláusula que autoriza a prorrogação da entrega da unidade após cento e oitenta (180) dias do prazo, bem como a dilação desse lapso de forma indeterminada, sustentando que a mora de B estaria configurada a partir do dia seguinte previsto para a transmissão da posse, motivo a lhe impor o pagamento da multa estabelecida no contrato para a hipótese de Z descumprir suas obrigações. Em continuidade, pediu a devolução, igualmente em dobro, dos valores relativos às despesas condominiais, o reembolso dos dispêndios havidos com a locação de um apartamento para nele residir com sua esposa W após o matrimônio (adotado o regime da comunhão universal de bens), bem assim indenização de índole imaterial em razão dos dissabores enfrentados pela conduta de B. Ao final, impugnou a cobrança dos juros remuneratórios após os pagamentos feitos no período de edificação e até a consumação do financiamento.
Em contestação, B arguiu carência de ação (porque faltaria utilidade ao provimento desejado ante a inexistência de cláusula penal em seu desfavor e de previsão contratual de prorrogação da entrega do imóvel), ilegitimidade passiva quanto aos pedidos envolvendo a corretagem e a taxa SATI, eis que recebidas, tais verbas, por pessoas distintas, e ausência de autorização de W a Z, por força do regime de bens adotados entre eles. No mérito, insistiu na legalidade da cláusula de prorrogação do prazo de entrega da unidade (válida em face do princípio pacta sunt servanda), a lhe eximir da mora apontada, argumentando, ainda, que as despesas condominiais, por força das dis posições contratuais livremente pactuadas, são de responsabilidade do adquirente depois de solvidas as prestações antecedentes ao financiamento (porque aí o comprador não mais poderia arrepender-se), bem como que a cobrança dos juros remuneratórios é regular, em especial porque os custos da obra, até a obtenção do financiamento por agente financeiro, foram por ela assumidos. Encerrando a defesa, B, sob o manto do princípio da eventualidade, impugnou os danos pleiteados, mesmo que admitida sua mora, seja porque o casamento não é ato jurídico urgente, a permitir adiamento sem qualquer tipo de problema, seja porque ausentes os pressupostos alusivos ao dano moral, haja vista que o mero inadimplemento contratual, conforme entendimento pretoriano uniforme, não gera ofensa aos direitos de personalidade.
Instados os litigantes a se manifestar sobre a fase provatória, ambos requereram o julgamento antecipado da lide. Proferir sentença com base na petição inicial e contestação apresentadas na presente forma narrada.
Vistos e examinados os autos.
I - Relatório:
Dispensado pelo enunciado da questão.
II- Fundamentação:
Preliminares:
a) Carência de ação: alegou o réu a carência de ação do autor em razão da ausência do interesse de agir, uma vez que a tutela judicial ora pleiteada não teria utilidade para resolver o litígio entre as partes. Ocorre, todavia, que vige no ordenamento jurídico pátrio a "inafastabilidade de jurisdição" (art. 5º, XXXV da CF/88), o que permite ao Poder Judiciário o exame e a possível revisal contratual ora pleiteadas. Afasto, portanto a preliminar suscitada.
b) Ilegitimidade passiva: acerca da ilegitimidade passiva em relação à comissão de corretagem e à taxa SATI, embora sejam destinadas a terceiros, sua previsão consta no contrato objeto da presente demanda, bem como fora estipulado pelas partes litigantes, razão pela qual afasto a preliminar.
c) Ausência de outorga uxória: resta afastada, também, tal alegação, uma vez que o contrato de promessa de compra e venda fora celebrado antes do casamento, bem como o regime de bens adotado pelo casal não abrange o imóvel objeto do contrato. Portanto, desnecessária a outorga uxória no presente caso.
Mérito:
Trata-se de ação judicial na qual o autor reputa nulas determinadas cláusulas exaradas no contrato de promessa de compra e venda celebrado perante o réu, bem como, diante do inadimplemento parcial do pacto, pretende reparação civil de ordem material e moral.
Diante do litígio posto incide o CDC, pois sedimentado na jurisprudência do STJ tratar-se o caso de relação de consumo.
No que tange à corretagem e à taxa SATI, pretende o autor o reconhecimento de nulidade de tal cláusula, bem como a devolução em dobro de tais valores. Consoante à corretagem, é pacífico o entendimento do STJ que tal cobrança é lícita, uma vez que se a incorporadora fosse responsável por tal pagamento, esse valor iria ser embutido no preço do imóvel, ocasionando o pagamento de fato pelo consumidor. Trata-se de um serviço prestado por terceiro que não está necessariamente vinculado à incorporadora, lícito, portanto o pagamento.
Todavia, em relação à taxa SATI, o STJ sedimentou o entendimento de que tal cobrança é indevida, uma vez que - diferente da corretagem - a assessoria técnico-imobiliária não é um serviço autônomo, caracterizando abusiva sua cobrança.
Por conseguinte, em relação á cláusula de tolerância, entende-se que não há abusividade em relação ao prazo de 180 dias, uma vez que é característico das incorporações imobiliárias atrasos decorrentes de fatos da natureza ou de terceiros que acabam atrasando a obra. Entretanto, prazo superior a 180 dias caracteriza cláusula abusiva (art. 51, IV CDC). Portanto, o prazo de 180 dias não é abusivo, mas sua prorrogação por tempo indeterminado é.
Consoante a cobrança do condomínio antes mesmo de o promitente comprador receber as chaves do imóvel e ter sua posse é cláusula abusiva. É pacífico no STJ que a cobrança do condomínio só poderá ser feita ao promitente comprador a partir do momento em que ele ingressar no imóvel com sua posse plena. Portanto, é devida a restituição em dobro dos valores pagos a título de condomínio (art. 42, parágrafo único do CDC).
De outra parte, em relação aos pedidos de indenização material e moral pelo fato do atraso na entrega do imóvel entendo que não é devida tal reparação, pois lícita a previsão contratual de atraso na entrega do bem em 180 dias, bem como não vislumbro dano a direito da personalidade do autor que faça incidir a reparação por dano moral.
Nessa senda, o mero descumprimento contratual não acarreta, por si só, dano moral ao prejudicado. É necessário que o inadimplemento atinja de forma substancial algum direito da personalidade do autor. O mero dissabor e a indignação não têm condão de afetar de forma tão profunda a psique do indivíduo de forma a ensejar reparação civil por dano moral.
Por fim, em relação aos juros remuneratórios (juros de pé ou juros no pé) é lícita sua cobrança, nos termos da jurisprudência do STJ. A licitude da cobrança baseia-se na premissa de que o incorporador utiliza o dinheiro da venda na construção do imóvel, logo, havendo pagamento parcelado, o incorporador estará arcando pessoalmente com os riscos e custos do negócio, tendo direito de cobrar juros remuneratórios do promitente comprador que faz o pagamento parcelado.
III- Dispositivo:
Diante o exposto, com fulcro no art. 487, I NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido do autor para:
a) Rejeitar as preliminares suscitadas pelo réu.
b) Condenar o réu à devolução em dobro dos valores cobrados à título de condomínio, nos moldes do art. 42, parágrafo único do CDC.
c) Condenar o réu à devolução do valor pago à título de taxa SATI.
d) Condenar as partes ao pagamento ao advogado da parte contrária o valor de 10% do proveito econômico obtido na demanda à título de honorários advocatícios, considerando o trabalho realizado pelos advogados, o tempo de duração da demanda, o grau de zelo profissional e demais requisitos dispostos no art. 85, § 2º do NCPC.
e) Condenar as partes ao pagamento das custas judiciais na fração de 50% para cada, nos moldes do artigo 86 NCPC.
Registre-se. Publique-se. Intime-se.
Local, data.
Assinatura Juiz de Direito.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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